29/12/2023

JOANA PETIZ

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Um país que não quer saber
de um quarto dos portugueses

Sebastião foi sempre um bom amigo e pai de filhos. Chegou a ser herói. E foi merecidamente feliz e acarinhado, vivendo com a família até ao fim dos seus muitos anos de vida. A sorte de Sebastião foi ter nascido cão.

Se fosse homem, Sebastião estaria entre os mais de 2,5 milhões de velhinhos que em Portugal são maioritariamente esquecidos por quem devia honrá-los e cuidá-los, mas que são abandonados pelas famílias à sua sorte e miseravelmente compensados por uma vida de trabalho e sacrifícios. Outras culturas há que honram os seus mais velhos, que os consideram e ouvem as histórias que têm para contar, que dão importância à experiência e sabem que esse conhecimento cozinhado com o que vai surgindo traz uma capacidade acrescida de sucesso e evita erros de palmatória. Noutros países, os mais velhos são respeitados e escutados, são reconhecidos pelo muito que viveram e experimentaram, acarinhados por aqueles que antes cuidaram e que agora se sentem por eles responsáveis – não é por sacrifício que lhes devolvem o que deram, é com alegria que o fazem. Noutras partes do mundo, os mais velhos fazem parte da vida familiar e contam na sociedade, contam para a sociedade.

Mas não aqui, aqui contamo-los como encargos e cadilhos, incapazes e lunáticos que vivem num mundo que já não existe senão na memória que lhes resta. São números que engordam a despesa do Estado em pensões e prestações sociais, que entopem as urgências, muitas vezes só em busca de companhia. São reduzidos a um telefonema semanal apressado e impaciente.

E se lhes dedicamos debate público, é para discutir a forma como devem morrer, nunca para nos inquietarmos com a forma como sobrevivem.

Se a esperança de vida tem aumentado nesta parte do mundo, Portugal é não só dos países mais envelhecidos da Europa (só em Itália a pirâmide demográfica está num vermelho mais escuro) como um dos que pior tratam os seus mais velhos, já condenados à partida a uma velhice com baixos níveis de qualidade de vida. O que é pior: Portugal considera que parte dos seus idosos ainda está em muito boas condições para trabalhar – a idade da reforma chegará em breve aos 67 anos –, mesmo que não tenha saúde há mais de uma década; e depois, que se amanhem. Se a esperança de vida após os 65 anos é de quase mais 20, só os primeiros sete se antecipam livres de problemas de saúde graves ou incapacitantes.

Entre o que não se cuida nos anos de juventude – saúde física, mas também mental – e o que falha nos seguintes, estamos cada vez mais longe dos modelos exemplares do norte da Europa, cujos reformados se mantêm ativos e com propósito, que ganham uma nova vida após a reforma. Sem incentivar a poupança e o planeamento futuro, sem uma rede de cuidados paliativos que cumpra os mínimos de decência, com reformas e casas tantas vezes miseráveis e os níveis de solidariedade em mínimos históricos, numa sociedade tremendamente umbiguista e mais preocupada com o bem-estar animal do que com a dignidade dos próprios pais e avós, remetemos os nossos mais velhos a um lugar de dependência indigna, fazendo-os crer que já estão a mais.

Um em cada cinco velhinhos portugueses vive sozinho, a maioria deles não por opção mas porque foram sendo esquecidos pelos seus e postos de parte pela sociedade. Um em cada cinco velhinhos vive com menos de 551 euros por mês, em risco de pobreza ou dependente de prestações sociais que não chegam para ter bacalhau na mesa de Natal. Muitos deles não terão sequer a visita dos filhos e já só rezam para não terem cadilhos que os levem ao hospital, pois temem não tornar a sair de lá, se não pela doença, porque ninguém os irá buscar quando estiverem curados mas impossibilitados de voltar a viver sozinhos.

Só neste ano, o número de idosos abandonados em hospitais cresceu 60%, com os internamentos sociais – pessoas com alta clínica mas cuja família abandonou, que não têm lugar em lares ou condições económicas ou de habitação – a votar 1700 pessoas a passar ali o resto dos seus dias.

Ignorar um quarto dos nossos não é forma de viver. É a própria humanidade que esquecemos. Está na altura de dar aos mais velhos o lugar que merecem ter, com políticas públicas focadas no seu bem-estar – e no nosso, que lá chegaremos… – e recuperando princípios básicos do que é ser humano.

BOA MOEDA

Luís Montenegro
Recuperar a AD foi talvez o passo mais importante que o líder do PSD deu desde que chegou ao cargo – e que pode bem resultar numa ainda altamente improvável maioria que o legitime como chefe do próximo governo. Pelo caminho, também assegurou uma vitória da democracia portuguesa: o regresso do CDS ao Parlamento.

MÁ MOEDA

Pedro Nuno Santos
O novo líder do PS foi à Júlia e não cozinhou, mas contou histórias. Disse que o seu miserável discurso foi fruto de emoção e improviso, que a direita é o diabo e que com ele é que Portugal vai ser o que merece (tenhamos medo!). Quem o oiça, não diz que até há um ano estava no governo dos socialistas que conduziram o país nos últimos oito anos.

* Jornalista e directora do "NOVO"

IN "NOVO" - 23/12/23.

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