08/11/2023

AFONSO REIS CABRAL

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Próximos tempos

Atirado ao ar ontem à tarde, paira, à espera de que o apanhem, esse pão para políticos chamado poder.

Os comentadores e os jornalistas dizem que todos eles, os políticos, estão neste momento a fazer contas. Imagino-os nos corredores e nos gabinetes a digitarem as aplicações de cálculo nos telemóveis. Os mais velhos talvez ainda consigam fazer contas de cabeça.

Fala-se também de um conflito de tempos, algo épico, quase mitológicos: o Tempo do Presidente, que é tempo de reflexão e também tempo constitucional; o Tempo das Eleições, agora mais do que asseguradas; e o Tempo Mediático, que devora todos os outros tempos, como Saturno eliminando os seus filhos.

Neste entretempo, fazem-se as tais contas de matemática mas também se contam os contos da ficção, esta última a precisar de alguma assistência depois de ontem, um dia alucinante que nunca surgiria assim a cru num livro. Acho maravilhosamente ficcionais as imensas suposições, os cenários para um e outro lado.

De seguida vai-se consultar as sondagens. Talvez mostrem que o Chega cresceu mais ainda neste contexto ideal para dar de comer aos populismos. Disse ontem André Ventura, num esforço notável de contenção (o homem levitaria, não fosse ter sapatos de chumbo), que vivemos agora o Tempo do Presidente, e que está pronto para ser alternativa, não querendo “fazer declarações nem políticas nem propagandísticas”. Depreende-se que lhe convém ficar quietinho à espera do que aconteça. “Estamos prontos para governar.”

É uma hipótese assustadora entre gente moderada, entre o voto sensato - uma hipótese inaceitável. Ainda que Montenegro tenha afirmado por fim, depois de muitas arrecuas, que não governaria com o Chega, o poder é mesmo pão para a boca de políticos. E o PSD está privado dele há oito anos, tem sentido muita fome.

Convém dizer que o voto social-democrata genuíno não é aparentado com o voto do Chega. Convém dizer que esse eleitorado de centro não quer ser confundido com tal fenómeno demagógico e oportunista. E que muito mais facilmente aceitaria um Bloco Central.

Enquanto escrevo, ainda Galamba não saiu de casa. Há poucos dias, encerrava o debate do Orçamento do Estado lançando farpas infantis ao presidente da República. Há seis meses, quando o primeiro-ministro decidiu coser-se a ele, não era impossível prever o futuro. Mais cedo ou mais tarde, e seis meses é muito pouco, Galamba-tóxico, Galamba-arguido, contribuiria para a ruína deste executivo.

E agora o eleitor, agarrado a uma esperança de moderação, aguarda nova viagem nos carrinhos de choque em que se transformou o espaço público. Não há-de sair ileso.

* Escritor e editor

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"- 08/11/23.

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