07/09/2023

MIGUEL GUEDES

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Cair em desgraça

A convicção de que se pode desaparecer da zona de guerra com um acordo invisível foi o pior negócio da vida de Prigozhin. As palavras de Putin assentam-lhe como uma luva.

Eram muito improváveis as possibilidades reais de Prigozhin sair vivo do conflito que acendeu com Putin, em Junho deste ano, quando rumou a Moscovo agitando a bandeira de um novo regime. Pondo-se a caminho, traçou o seu fim. No momento em que a operação na Ucrânia continua trôpega perante a incontestável capacidade das forças invadidas para resistir e reforçar a resposta, tudo o que o líder russo não poderia admitir seria abrir uma nova frente de batalha. A oposição interna em tempo de guerra tem sempre os dias contados, mesmo quando se transfigura de um histórico aliado ou homem de mão. Tropeçar no destino de Putin não é algo que normalmente se cinja a feridas passageiras.

A queda de um demónio não foi escrita pela tinta de Camilo mas a História contará que, pelo facto de dois diabos se digladiarem, nem assim algum deles se transforma em anjo ou em algo benigno. Nenhum deles assume melhor forma. O debate acerca da perigosidade relativa de Putin e Prigozhin procura concluir sobre qual o pior protagonista, qual o detentor da pior estirpe, qual o nível de demência selectiva ou racional de atrocidade que cada um deles poderia convocar no futuro enquanto líder. Essa resposta já foi dada: ambos se serviram mutuamente, cúmplices, amplamente capazes do mesmo, ainda que obedecendo, casualmente, a diferentes livros de estilo.

A surpresa de encontrar Prigozhin a 200 km do Kremlin em apenas 24 horas de golpe de Estado redundou numa incógnita, fruto de um acordo de sobrevivência com os dias contados. Ninguém conseguiu explicar a rendição e a deportação amiga do líder do Grupo Wagner para a Bielorrússia e nenhum ponto de encontro ou balanço foi perceptível. Nada mudou, senão o seu destino. No entanto, apenas dois meses volvidos sobre a tentativa de insurreição, espanta a desenvoltura e o grau de eficácia da resposta de Putin. O presidente russo nunca se mostrou enfraquecido numa história que parecia ser o primeiro sinal visível de apodrecimento do sistema.

A aparente inexpressividade com que Putin manifesta condolências à família de Prigozhin, um “empresário talentoso que cometeu alguns erros na vida”, é demasiadamente expressiva. A tentativa de camuflagem como incógnito, desaparecido em combate, sem aparições públicas de relevo desde Junho, fez de Prigozhin um alvo ainda mais fácil. A convicção de que se pode desaparecer da zona de guerra com um acordo invisível foi o pior negócio da vida de Prigozhin. As palavras de Putin assentam-lhe como uma luva.

* Advogado e músico

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 25/08/23.

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