24/05/2023

NILZA RODRIGUES

 .


Vamos fechar os olhos,
os ouvidos e a boca.
Como os macacos.

Na capital do Luxemburgo, o país mais rico do mundo, foi aprovada uma lei que proíbe mendigos entre as 7 e as 22 horas nos parques, praças públicas e principais ruas da cidade. Falamos do Grão-Ducado que exibe um PIB per capita na ordem dos 146.260 dólares e que, muito provavelmente, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional, vai manter essa performance de luxo até 2060. Falamos de um dos maiores centros financeiros do mundo com apenas 600 mi pessoas em 2586 km2 de área. É um pais pequeno. Em dimensão. E agora também em responsabilidade social.

Uma coligação entre democratas-cristãos e liberais levou avante esta lei que já tem antecedentes em 2015 quando o artigo 41 do código policial impedia os grupos de pedintes organizados de atuarem na capital. Foram insensíveis aos pedidos das organizações de direitos humanos que consideram a medida, no mínimo, “desumana” e insensíveis ao crescente número de desempregados persistentes, na sua maioria com pouca formação e mais velhos, que tem crescido no país ao nível dos 27 da Europa, um alerta que já foi dado pelo observatório da ONU.

De nada lhes valeu, lhes vale, tamanha riqueza, se não souberem gerir este lado humano e dar o exemplo a quem de facto sofre níveis de pobreza extrema e de exclusão social. Sim, falo de África. Se adotarmos medidas semelhantes, corremos o risco de termos um continente de morcegos, a viverem de noite, e um continente fantasma, vazio durante o dia. São 600 milhões de pessoas no mundo a viver no limiar da pobreza e destes, a África Subsaariana concentra atualmente 60%, cerca de 389 milhões, mais do que em qualquer outra região. E, como se não bastasse, entre os dez países mais pobres do mundo, quantos são africanos? Todos! Inclusive o país onde nasci, Moçambique, e a nível dos PALOP, a Guiné Bissau, um rol do qual não nos orgulhamos, mas que assumimos. Essa é a diferença.

Não dá para esconder os mendigos que pululam por África. Primeiro porque o ADN africano é de acolher e não afastar, onde come um, comem dez, onde há um teto, há sempre espaço para mais uma cama, onde há uma família, há sempre uma mão estendida. E segundo porque precisamos desta mão-de-obra jovem para crescermos e construirmos uma geração capaz para liderar um mundo envelhecido.

Vamos continuar a aumentar a dívida pública. Vamos continuar a ter orçamentos apertados. Quarenta por cento do budget familiar é para bens alimentares, esses que escasseiam ainda mais desde a guerra. É um cenário desesperante, a léguas de distância do nível de vida de países como o Luxemburgo e do qual esperaríamos ideias deslumbrantes para alavancar o continente berço. Afinal, temos de ser nós a ensinar. Esconder debaixo do tapete não resolve. São vidas, senhor. São vidas. Podemos fingir que não vemos, não ouvimos e não falamos. Como na famosa fábula japonesa dos três macacos. Mas definitivamente não conseguimos fingir que não sentimos e há um caminho que se chama Inovação Social que tem a ver, mui resumidamente, com olhar de frente o problema e...resolvê-lo. Você decide.

* Directora da Forbes Portugal e Forbes África Lusófona.

IN "NOVO" - 20/05/23.

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