19/03/2023

LEONARDO RALHA

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Estes são os inimigos
e, se não bastarem,
vêm outros

António Costa não se apressou a reagir ao reparo presidencial à “maioria requentada” mas, quando finalmente se manifestou, foi para garantir que as notícias sobre o requentamento eram manifestamente exageradas. Mesmo que não tenha chegado ao fim o desvario capaz de fazer do XXIII Governo Constitucional uma plataforma giratória com mais partidas do que o aeroporto de Beja, como a espada suspensa sobre a cabeça de Fernando Medina torna evidente, existe uma mudança em curso.

Pena é que a mudança tenha sobretudo a ver com algo que não resolve problemas dos portugueses, por muito que seja essencial para quem está a governá-los. Com ou sem ajuda de gurus da comunicação política, António Costa está a retomar o controlo da narrativa. E isso é um regalo para quem terá chegado a ver-se como um piloto que tenta evitar que o avião em voo picado se despenhe com os tanques cheios de combustível. Permite-lhe ganhar tempo para um resto de legislatura que, embora o tempo também passe a correr quando não nos estamos a divertir, está a começar.

Com o PS enfraquecido nas sondagens, em que a direita surge com a “maioria aritmética” que Marcelo Rebelo de Sousa também fez questão de catalogar, com as ruas tomadas por um descontentamento que não é monopólio da CGTP, brotando movimentos inorgânicos e sindicatos independentes, e com a subida das taxas de juro, a incerteza quanto à Ucrânia e as “pontas soltas”, na TAP e não só, que não deixam esquecer o que os executivos de Costa fizeram nos Verões (Primaveras, Outonos e Invernos) passados, foi necessário recorrer a Marx para arranjar solução.

Afinal, não falta quem diagnostique marxismo na actuação deste executivo. No entanto, apesar do fulgor ideológico de alguns governantes, há que reconhecer que, mais do que de Karl, a inspiração parece vir de Groucho. Tal como o humorista norte-americano terá um dia proclamado que “estes são os meus princípios e, se não gostarem, tenho outros”, nos últimos tempos, o Governo parece coleccionar uma sucessão de inimigos de ocasião que permitem desviar atenções e redireccionar o avolumar de descontentamento com o estado a que isto chegou.

Depois dos malvados senhorios que mantêm casas desocupadas onde podia viver gente, candidatos a um arrendamento coercivo que vozes insuspeitas garantem não ser exequível operacionalizar, a ofensiva virou-se para os malvados patrões da grande distribuição, cujas margens de lucro são, supostamente, únicas responsáveis pelo desporto radical em que se transformou cada incursão num supermercado. Claro que deveria haver mais construção pública, mas isso acrescentaria despesa pública, e que era possível reduzir o IVA dos bens essenciais, mas isso retiraria receita pública.

Mais fácil e mais barato será arranjar uma entidade externa, de preferência pouco relevante em número de votos, a quem culpar. “Estes são os inimigos e, se não bastarem, vêm outros”, poderia dizer António Costa, com um charuto na boca, após deixar crescer o bigode.

* Jornalista, director do "NOVO"

IN "NOVO" - 18/03/23.

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