28/12/2022

JOANA PETIZ

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2022, o ano de Costa.
E agora, habituem-se!

Foram precisos sete anos, depois da derrota eleitoral pós-troika que o obrigou a martelar uma geringonça para assumir o governo, para António Costa conseguir a maioria absoluta que ambicionava desde que empurrara António José Seguro da liderança socialista. Foram sete anos duros, com muitos sapos digeridos e truques de malabarismo a criar a ilusão necessária para não queimar os dedos até ser seguro implodir a máquina, que nasceu torta e nunca se endireitou. Foram também sete anos de casos vergonhosos, alguns deles de polícia, que nunca receberam a devida atenção ou choque público porque pouca voz havia na oposição, com a esquerda comprometida e a direita estraçalhada. E que culminaram com uma pandemia que, entre a doença e os confinamentos vendidos como cura, atou um país inteiro de mãos e pés, deixando-o ainda mais vergado a um Estado mais voraz do que nunca.

Ao fim de sete anos, Costa conseguiu a tão desejada e escorregadia maioria absoluta e sentiu-a como recompensa de todos os seus esforços, como a ovação final ao acrobata que conseguiu posições impossíveis e é admirado por isso. E nem o facto de ter nas mãos um país encolhido e a precisar de inteligência, ação e investimento capazes de o tirar do buraco o fazem sentir que tem de esconder o seu estado de alma. "Vão ser quatro anos. Habituem-se!", disse aos portugueses ainda antes de cumprir o primeiro desses anos do que entende ser uma posição inamovível e numa altura em que acredita que já não deve nada a ninguém.

O seu governo continua marcado por escândalos que levam os gabinetes a perder em média um responsável nomeado por mês, mas António Costa tem uma maioria absoluta na mão. Os apoios desenhados para responder à pandemia perderam-se pelo caminho e a portentosa bazuca que a todos ia salvar está há um ano a enferrujar na gaveta de Mariana Vieira da Silva, mas António Costa goza de uma maioria absoluta. A reprivatização da TAP depois da renacionalização prometida aos parceiros de geringonça e de milhares de milhões sangrados aos contribuintes está em risco de morrer solteira de pretendentes, mas António Costa conseguiu a maioria absoluta. O brilharete das Finanças - seguindo enfim a rota das contas certas traçada por Passos e Gaspar - alcançado à boleia de uma receita fiscal sem precedentes, cortesia da inflação, está a chegar ao fim, mas António Costa teve a sua maioria absoluta. O novo aeroporto continua por decidir com a Portela já esgotada, há mais portugueses sem médico de família do que antes de o PS se instalar em São Bento, as urgências hospitalares não funcionam, as creches grátis para todos não são materializáveis porque não existem lugares para as cada vez menos crianças que nascem no país, a crise da habitação é mais grave do que nunca e à conta da guerra na Ucrânia os portugueses recuaram uma década no seu bem-estar, no seu poder de compra, na sua capacidade de progredir; mas António Costa senta-se ao leme da sua maioria absoluta. Bloco e PCP perderam o megafone dos protestos, ainda a tentarem desenredar-se dos nós da geringonça, mas os funcionários públicos enchem as ruas a exigir o que lhes foi prometido e nunca chegou, mas António Costa está focado na sua maioria absoluta. O crescimento expressivo do país tem na base uma queda sem precedentes em democracia, o desemprego começou a subir (há quatro meses consecutivos), as poupanças dos portugueses esfumaram-se, o consumo cairá a pique assim que passar o Natal, o investimento não descola (0,9%), e as exportações que as empresas conseguem fazer crescer já foram ultrapassadas pelo ritmo das importações; mas António Costa ainda vai no primeiro ano da sua maioria absoluta.

O que o primeiro-ministro não quer ver, focado que está na maioria que tantas vezes lhe escapou por entre os dedos, é que o mandato que lhe foi passado para quatro anos não foi um presente de Natal que lhe foi deixado na chaminé. A opção por uma maioria clara ao fim de sete anos de geringonça previa não apenas que o governo se soltasse das amarras à esquerda como que usasse a estabilidade conquistada para romper caminhos de prosperidade de longo prazo, vias para um crescimento que o país não consegue ter há décadas, numa inversão de rumo que implica trocar as habituais rotundas eleitoralistas por autoestradas de desenvolvimento.

António Costa tem a sua maioria absoluta e irá desfrutar dela até ao fim - é o que revela na postura e nas respostas da entrevista de há uma semana. O que isso custará ao país, pouco lhe importa. "Habituem-se!" 

* Jornalista, directora executiva do "DINHEIRO VIVO"

IN "DINHEIRO VIVO" - 24/12/22

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