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O legado de Chalana
Parece ironia. No dia da morte de Chalana, chegam notícias de desacatos em Guimarães provocados por adeptos do Hajduk de Split, da Croácia. Deixaram um rasto de destruição e medo no Centro Histórico da cidade minhota. Como tão bem o ministro da Cultura ontem explicitou, na reação ao desaparecimento do camisola 10 do Sport Lisboa e Benfica, com Chalana desaparece um futebol que nada tem a ver com o vivido hoje em dia, praticado mais fora de campo do que dentro das quatro linhas.
Que resta da festa popular, das famílias rumo aos estádios num convívio sereno e sem riscos, onde a temperatura apenas subia à medida que o clube do coração se agigantava no relvado?
Chalana é o símbolo de um tempo em que os jogadores tinham liberdade de falar sem autorização de clubes ou de empresários, e até as mulheres dos craques comentavam treinadores, táticas e tudo o resto, sem prejuízo da qualidade dos jogos, como foi recordado a propósito de Anabela, mulher do futebolista do Benfica desaparecido.
Hoje, os jogadores são propriedade de Sociedades Anónimas Desportivas (SAD). Respondem a muitos interesses, passam mais por contratos publicitários do que pelo futebol praticado. Criaram-se à volta dos clubes, sem que estes se demarquem, verdadeiras organizações violentas, de interesses obscuros, não raro transformam os recintos desportivos e os espaços circundantes em lugares perigosos, onde é desaconselhável ir e muito menos levar crianças.
O meu filho mais novo, apaixonado pela bola quase tanto como pelos caiaques, andou meses a ameaçar cortar o cabelo à Chalana. Este menino, nascido já no início deste século, nunca viu o craque jogar, a não ser nas imagens de arquivo da RTP. E isso apenas confirma uma coisa: todo o ruído à volta do futebol, com muitos milhões à mistura, afinal pouco importa. Queremos espetáculo, como Chalana e tantos outros fizeram, e não rasteiras fora das quatro linhas.
*Editora-executiva-adjunta
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 12/08/22.
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