16/04/2022

EDUARDO OLIVEIRA E SILVA

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Tem faltado PPD ao PSD

Quando os partidos perdem a mística caminham inexoravelmente para a extinção ou insignificância.

1. Quando nasceu, o PPD era para se ter chamado de imediato PSD. Durante anos não foi possível, por oposição de Mário Soares. O partido de Sá Carneiro só mais tarde conseguiu juntar PSD à sigla PPD. Mas formalmente abandonou a designação de Partido Popular Democrático, passando a identificar-se Partido Social Democrata. Foi património genético político que perdeu. Ser do PPD era também para os seus eleitores e militantes um estado de alma, um tipo de afirmação específica na luta política e de empenho reformista. Não era uma ideologia estabilizada e colocada entre baias estritas. O PPD não tinha margens definidas. Transbordava para além delas. Sentia-se nele a social-democracia como referência fundadora genética, mas havia mais, muito mais, na sua base de apoio. Juntava liberais do marcelismo a liberais como hoje os entendemos. Cabiam lá todos os grupos políticos moderados, num raro interclassismo quase gaulista. Não espantava encontrar no PPD Sá Carneiro e Emídio Guerreiro, Jorge Sá Borges e Cunha Leal, Marcelo Rebelo de Sousa e Barbosa de Melo, Mota Amaral e Silva Marques, Balsemão e Cavaco e tantos outros. Ao longo dos anos, esta diversidade mudou. O partido perdeu dinâmica junto da sociedade civil mais produtiva. Assentou em grupos ligados ao aparelho do Estado e à política carreirista. Perdeu fôlego e acomodou-se. Os seus quadros, salvo raras exceções, passaram a emergir das estruturas do partido, da jota e não de extratos dinâmicos da sociedade civil, que hoje fogem dele e dos partidos em geral. Contam-se pelos dedos no PSD os militantes com carreiras feitas em áreas profissionais liberais como a medicina, a arquitetura, a engenharia ou as letras. Não há comerciantes, pequenos e médios empresários ou professores primários, que foram grandes dinamizadores da implantação. A exceção está na advocacia e todos sabemos que é pela proximidade existente entre política e poder legislativo. Com o consulado de Rui Rio a situação agravou-se. A obsessão de fixar o partido num campo político próximo do PS retirou-lhe diversidade. Abriu espaço para a criação de alternativas à sua direita, designadamente a Iniciativa Liberal e, em certa medida, o Chega. Com Rio o resquício do PPD reduziu-se ainda mais. A saída de Santana Lopes é a prova disso. Para tal contribuiu também a circunstância do PSD se ter regionalizado, deslocando o seu centro de decisão para o Porto. Foi-se perdendo ainda mais um cosmopolitismo que juntava gente de todas as classes, de todo o lado, rurais e urbanos e de várias sensibilidades políticas e económicas. O acantonamento trazido por Rio implicou, designadamente em Lisboa, uma reação hostil. Agora, os sociais democratas vão novamente para uma reflexão interna. É uma oportunidade para os projetos procurarem restaurar uma pujança agregadora que mobilize a sociedade, abrindo livremente o leque e a discussão aos grandes temas sem ficar refém da partidocracia arrivista. É imperativo ultrapassar o eterno discurso oco das reformas estruturais que Mota Pinto (pai) trouxe em boa hora para o léxico político, quando foi primeiro-ministro no final dos anos 70. Reformas dessas são sempre necessárias. Devem ser estudadas e aplicadas, mas não esgotam valores que unam os partidos e as suas gentes. Perder referências e mística conduz inexoravelmente à insignificância ou ao desaparecimento dos partidos. Veja-se o PCP/Verdes, mas, sobretudo, o CDS, o MDP/CDE e o PRD, entre nós. Isto para não ir buscar o PS francês que chegou a federar toda a esquerda sob a batuta de Mitterrand. Hoje não há PS em França. Há Le Pen, Mélanchon e Macron.

2. Ainda a propósito do PSD, não se percebe em que pé está a impugnação das diretas feita por um militante (tido como rioísta). Na base do pedido está o facto da marcação das eleições pelo Conselho Nacional ter sido feita sem que Rio se tenha formalmente demitido, desde logo porque faltou à reunião alegando covid. Se o caso não for resolvido internamente, com rigor, pode chegar ao Tribunal Constitucional, havendo o risco de todo o processo ser anulado. Era mais uma trapalhada.

3. Os preços estão a subir assustadoramente. Como diziam os antigos, o que se ganha “não dá para o petróleo”. Mais do que estatísticas e discursos comparativos, há provas que não enganam. Basta consultar os prospetos de grandes cadeias de supermercados que existam simultaneamente em Portugal e, por exemplo, na Bélgica. Verifica-se que os preços são sensivelmente iguais. A diferença é que o salário médio lá está acima dos 3 mil euros/mês, enquanto o português ronda os 900, segundo dados de 2021.

4. Fernando Negrão é o novo presidente da primeira comissão da Assembleia da República, a mais importante de todas. Trata de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Na penúltima sessão legislativa o lugar era ocupado por outro notável social-democrata, Luís Marques Guedes, que Rui Rio tirou das listas em circunstâncias mal-esclarecidas. Negrão é uma figura respeitada e experiente. Juiz de carreira, foi ministro, líder parlamentar, vice-presidente do parlamento e presidiu à comissão de inquérito ao BES/GES, que esclareceu alguns meandros do caso.

5. Francisca Van Dunem saiu do governo e logo se reformou com a simpática quantia de 6750 euros/mês em resultado da circunstância de ser dada como juíza do Supremo Tribunal de Justiça, funções que, na verdade, nunca ocupou. Sendo o STJ um órgão de soberania, é no mínimo curioso que Van Dunem tenha lá chegado sem ter de sair do governo. Afinal, Santos Silva não pôde acumular funções no executivo e no parlamento mesmo por dois dias, o que levou António Costa a ser MNE 48 horas. Há, entretanto, quem receie que o processo se repita futuramente com a nova ministra da justiça. A indicação de Catarina Sarmento e Castro não seria por ser magistrada, mas como jurista de mérito, uma vez que no STJ também há lugares para essa categoria, assim como para advogados. Veremos se a moda pega.

6. Hoje em dia muitos falam da China, mas são poucos os que a conhecem. E menos ainda os que a percebem. Em Portugal, temos, porém, figuras sábias na matéria. Uma delas é o jornalista António Caeiro, delegado da Lusa em Pequim durante 19 anos. Acaba de publicar um terceiro livro sobre a sua experiência naquele país. Chama-se Os Retornados de Xangai. Conta a história de uma comunidade portuguesa praticamente desconhecida, mas que lá esteve longamente. Imperdível.

* Jornalista

IN "iN" -13/04/22.

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