13/04/2022

NURIA BRINKMANN

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Transição justa:
uma história fictícia
que se quer real

A Laura trabalhou mais de 20 anos numa central termoelétrica a carvão. Quando entrou pela primeira vez nas instalações, a central mal tinha começado a operar e ninguém falava em transição energética. O Tratado de Maastricht já tinha entrado em vigor, mas a Laura, como a maioria dos portugueses, ainda não pensava na realidade da União Europeia, quanto mais na realidade global. Tinham acabado de lançar a televisão por cabo e falava-se muito do Protocolo de Quioto, que tinha sido recentemente assinado no lado oposto do globo. Mais tarde, celebrou-se em Paris a vigésima primeira Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP 21), onde foram negociadas as bases do que mais tarde se tornaria o ponto central da política energética de todos os países: a luta contra as alterações climáticas. Mas a Laura nunca pensou que estes fatores iriam um dia influenciar dramaticamente a sua vida.

Na sequência do Acordo de Paris, Portugal tem vindo a aprovar vários instrumentos legais com vista a implementar medidas tendentes à redução progressiva, e eventual neutralização, das emissões nacionais de gases de efeito estufa (GEE) - incluindo o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050), (o Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2030), a Estratégia Portugal 2030 e, mais recentemente, a Lei de Bases do Clima, os Regulamentos dos Sistemas de Incentivos para a Descarbonização dos Transportes Públicos e a Descarbonização da Indústria. A estes acrescem os instrumentos recentemente aprovados ao nível europeu - nomeadamente a Lei Europeia em Matéria de Clima, o European Green Deal, o pacote de recuperação NextGenerationEU, e o plano de investimento REPowerEU - todos com vista a acelerar a descarbonização e a transição energética.

Na sequência da política de descarbonização em curso, foi programado o encerramento de todas as centrais termoelétricas portuguesas a carvão. Em novembro de 2021 foi encerrada a última central a carvão do país, em resposta ao desafio de "phase down" lançado durante a COP 26. A Laura ficou sem trabalho.

Entretanto, a Laura, que vive no interior, sabe por experiência própria que as alterações climáticas são reais. Sem chuva há meses e com custos de rega demasiado altos, as plantações agrícolas da sua região sofreram perdas significativas. Por isso, a Laura sabe que só impondo políticas drásticas se poderá garantir um futuro sustentável para as gerações futuras.

No entanto, a Laura também sabe que a perda de postos de trabalho e o aumento de custos das empresas para cumprir com os padrões de descarbonização, é um preço demasiado alto para suportar.

O que a Laura talvez não saiba, é que a Lei de Bases do Clima prevê que, na promoção da transição energética, o Estado deve garantir a criação de mecanismos que permitam uma adaptação justa e inclusiva por parte da indústria e dos trabalhadores.

Para além disso, foi criado o Mecanismo para uma Transição Justa da EU (Mecanismo), que prevê mobilizar cerca de 55 mil milhões de Euros entre 2021 e 2027 com vista a atenuar o impacto socioeconómico da transição energética, sendo o Fundo para uma Transição Justa (FTJ) - que conta com 17,5 mil milhões de Euros para distribuir pelos territórios mais afetados - um dos elementos essenciais do Mecanismo.

O FTJ prevê também uma dotação de 204 milhões de euros específica para Portugal, destinados a compensar os prejuízos e o impacto social do encerramento de algumas das atividades mais poluidoras da indústria nacional. A disponibilização destes fundos depende da aprovação prévia dos Planos Territoriais para uma Transição Justa (Planos Territoriais), que ainda não foram apresentados. Por esse motivo, através da Portaria n.º 686-A/2021, de 29 de novembro de 2021, foi aprovada a antecipação de fundos para apoios aos trabalhadores e aos territórios afetados pelo fim da produção da energia elétrica nas centrais termoelétricas de Sines e do Pego e pelo encerramento da refinaria de Matosinhos.

Para além disso, há também planos para transformar instalações de produção de energia alimentadas a carvão em centros de produção de fonte renovável, incluindo a biomassa, evitando o desmantelamento total. Uma vez que uma das vertentes do apoio garantido pelo FTJ é a formação profissional de antigos trabalhadores das centrais encerradas, a Laura pode até vir a continuar a trabalhar na central onde passou grande parte da sua vida profissional.

* Associada da Miranda e membro do ESGimpact+ Team da Miranda Alliance

IN "DINHEIRO VIVO" - 07/04/22.

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