22/02/2022

ROSÁRIO MACÁRIO

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Políticas de mobilidade: 

o que nos falta?

O que nos falta é mesmo uma política pública de mobilidade. E para a viabilizar é necessário que muitas outras decisões de caráter institucional e organizacional sejam tomadas.

A mobilidade não tem um fim próprio. As pessoas deslocam-se porque pretendem fazer determinadas atividades. Apesar de este facto ser conhecido por todos os que, em diferentes funções, trabalham no setor, continuamos a promover políticas que esquecem este detalhe.

As decisões de Mobilidade são tomadas pelo cidadão em função do seu agregado familiar, do orçamento disponível, e das atividades que exercem. É assim que se fazem as escolhas do cidadão, ora passes, ora carro, ora boleias, ora bicicletas, ora trotinetes, ora uber, etc. As escolhas são múltiplas, e na maioria dos casos o cidadão organiza a sua cadeia de mobilidade usando mais do que uma das opções que tem à sua escolha. 

Muitos são os cidadãos que têm o seu carro privado estacionado toda a semana, e que só o usam no final de semana para os passeios familiares. É o que o orçamento lhes permite. Mas ter o seu carro próprio ainda tem um efeito de estatuto social, sobretudo para a geração 40+, muito estimulado pelas empresas que continuam a trocar carro próprio por salário, por razões eminentemente fiscais por um lado e de atração dos colaboradores que assim usam carros que jamais poderiam ter com o seu orçamento limitado. É uma forma de captura plenamente instalada na nossa sociedade, e que passa despercebida quando as empresas refletem sobre as suas obrigações sociais para com a sustentabilidade. 

Pois é, o carro ainda é um objeto de estatuto social para uma parte significativa da nossa população. Mas na fasquia social daqueles a quem as empresas não oferecem carros, é o cidadão que gere esse desejo no seu orçamento, com ajuda de muito produtos financeiros que lhes estão disponíveis. Esta é a realidade da nossa sociedade.

O desafio que há décadas também se coloca a este mesmo segmento de cidadãos é a decisão da compra de casa. E se isso não é possível, então o carro ou as viagens de férias são a alternativa. São inúmeros os estudos que comprovam este comportamento. Há décadas que este é um fenómeno conhecido da economia comportamental.

Muitas pessoas têm vindo a público espantar-se com o aumento da compra de automóvel, achando que já deveria ter estabilizado e estar até a reduzir essa tendência. Grande engano, não nos basta reduzir preços de transporte público, melhorar a qualidade dos mesmos, e criar ciclovias. É bom, mas não chega. 

O natural é mesmo que continue a aumentar. Há cerca de uma década que observamos o aumento exorbitante do preço da habitação, evidenciando a esse cidadão que não vai ter possibilidade de ter casa própria, mas pode ter um carro que lhe compensa um pouco a primeira frustração, e fazer umas férias que contribuem para a felicidade imediata do agregado familiar.

Se acrescentarmos que no próximo ano é expectável um aumento de inflação que, inevitavelmente, produzirá aumento de juros nos empréstimos para habitação, não temos dificuldade de perceber que estão reunidas as condições para um continuado aumento de compra de carros. Mas se é essa a tendência, então será urgente atuar também nas escolhas desses mesmos carros, e criar incentivos para que as escolhas feitas sejam o menos prejudiciais possíveis para a sustentabilidade. 

O cidadão decide a sua vida tendo uma visão holística do mundo que o rodeia, e fazendo um jogo de compensações entre os vários desejos e necessidades que tem. O que nos falta nas políticas de mobilidade é justamente essa visão holística e evitar medidas avulso, que são apenas isso mesmo. Apenas medidas, não são elementos de um todo coerente, que induza o cidadão a tomar as decisões que são de facto melhores para toda a sociedade.

É indispensável olhar o sistema de mobilidade, e os fatores que influenciam as escolhas, com os olhos do cidadão, caso contrário obtemos apenas resultados marginais quando implementamos uma portagem urbana, ou kms de ciclovia, ou estacionamento, e com frequência geramos a revolta do cidadão que vê as medidas avulso como instrumentos para a sua exclusão.

Claro está, que essa visão holística implica medidas transversais aos vários setores que influenciam a mobilidade, nomeadamente gestão territorial, a energia, o ambiente, o enquadramento económico e social, etc. Essa transversalidade encontra grandes barreiras na nossa organização política e institucional, vocacionada para silos de disputa de poder, que prejudicam grandemente a capacidade de articulação de políticas e medidas, por vezes anulando mesmo a sua eficácia. 

O que nos falta é mesmo uma política pública de mobilidade. E para a viabilizar é necessário que muitas outras decisões de caráter institucional e organizacional sejam tomadas.

* Professora e investigadora em transportes, Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico

IN "iN" - 15/02/22.

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