17/11/2021

VÍTOR ROSA

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O desporto ou a libertação 

controlada das emoções

O livro de Norbert Elias e Eric Dunning, Quest for Excitement, foi publicado em 1986, mas a sua história começa muitos anos mais cedo. Em 1954, Elias tem 57 anos. Foge de uma Alemanha nazi em 1933. Depois de ter passado uns meses em Paris, vai se instalar em Londres. Em termos profissionais, vai ter posições precárias. Foi assistente de investigação na London School of Economics, vive de cursos para adultos que dá na Universidade de Londres e de sessões de terapia de grupo, que dirige no quadro do Group Analytic Society, formada por alguns psiquiatras.

Depois de uns anos difíceis, vai receber duas propostas para leitor em sociologia, de Leicester e de Leeds. Optou por Leicester. Em 1962, com a sua reforma, vai trocar Inglaterra pelo Gana, onde durante dois anos será professor de sociologia, na Universidade de Acra. Os seus pares consideravam que o seu pensamento centrado nos processos sociais de longa duração era marginal. Isso não estava na moda na época. Um dos seus alunos, Eric Dunning, vai propor a Elias para se trabalhar sobre o desporto e o lazer. Este objeto de estudo também não era fácil nos anos 1950, dado não ter legitimidade sociológica. Elias refere “quando nós começámos a refletir sobre a questão que nos interessava, a sociologia do desporto ainda estava nos seus inícios. Eu lembro-me que nos perguntámos se o desporto, entre outros o futebol, poderia ser considerado um objeto de pesquisa digno das ciências sociais, e em particular uma tese no âmbito das Artes”.

Só depois de alguns anos de ter regressado do Gana, é que Elias começou a publicar sozinho ou, a maior parte das vezes, em colaboração com Eric Dunning, textos sobre o desporto. Os textos que integram Quest for Excitement colocam em perspetiva o que constitui o desporto moderno e quais são as suas especificidades: a diminuição da violência, a existência de regras escritas e uniformes, codificando as práticas desportivas, a autonomia do jogo, relativamente aos confrontos guerreiros ou rituais.

Elias e Dunning vão romper três perspetivas que fundavam os estudos consagrados aos jogos e aos desportos: 1) colocar todos os desportos contemporâneos numa genealogia de longa duração, que encontram os seus antepassados mais ou menos diretos; 2) supor que todas as sociedades desenvolveram, de forma semelhante, as suas atividades e o tempo das práticas desportivas; 3) relacionar as razões das condutas, tidas como comparáveis através do espaço e do tempo, com as disposições psicológicas universais.

Estes dois autores sublinham as diferenças que separam os desportos dos jogos tradicionais, mesmo se eles têm em comum certos gestos. O desporto moderno criou espaços e tempos que lhe são próprios. Os estádios, os ginásios, os velódromos, etc. São locais específicos que cantonam o exercício e o espetáculo desportivo. Para Elias, o conceito chave que permite dar conta da aparição do desporto, pensado na descontinuidade dos confrontos antigos, é o da libertação do controle das emoções. Existe também uma pacificação do espaço social. Ao colocarem o desporto nas mutações das formas de competição pelo poder político, os controles exercidos sobre a violência e a estrutura da personalidade, estes dois autores tornaram o desporto um observatório privilegiado das evoluções de longa duração nas sociedades ocidentais. E, como diz Elias, “o conhecimento do desporto é a chave do conhecimento da sociedade”. O desporto, como instituição é o produto de corte histórico. Ele surge na Inglaterra, local clássico do modo de produção capitalista, e da era industrial moderna. Assume uma significação diferente segundo as classes sociais. O desporto é o produto da diminuição do tempo de trabalho, da urbanização e da modernização dos transportes.

* Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa

IN "A BOLA" - 11/11/21

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