09/11/2021

ADÃO CARVALHO

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A proteção dos denunciantes, 

os whistleblowers

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Os denunciantes podem ser fundamentais em certos domínios de criminalidade, como a corrupção ou o branqueamento de capitais, em que, frequentemente, é difícil detetar tais ilícitos. A garantia de que se sentem seguros para as comunicar pode conduzir à deteção, investigação e instauração de processos eficazes que, de outra forma, têm potencial para lesar gravemente o interesse público   

No contexto de uma economia cada vez mais global, onde os donos do capital não são aqueles que administram ou gerem os destinos das empresas e em que no seio organizacional se difundiram complexos e diversificados comportamentos desviantes, ilícitos, que transcendem o modelo tradicional de condutas suscetíveis de verificação na órbita organizacional económica, determinaram o reconhecimento da necessidade de as empresas adotarem programas de cumprimento normativo voluntário (compliance programs), de forma a prevenir, identificar e reagir antecipadamente contra desvios comportamentais nos seios das organizações.

É neste contexto que surge o whistleblowing ou sistemas de delação, enquanto componente essencial dos programas de compliance.

Destarte, os programas de whistleblowing são sistemas específicos de controle de violações que reivindicam a instituição de canais de denúncias (hotlines) adequados, eficazes e atentos à facilitação das comunicações e ainda suficientemente capazes de garantir o anonimato e o sigilo do denunciante de boa-fé (whistleblower protection). Deve também estruturar-se de modo que seja capaz de prevenir a divulgação de informações imprecisas, infundadas, prejudiciais ou imbuídas de má-fé. Ademais, é imprescindível a divulgação adequada (disclousure) e a adoção de medidas que incentivem a notícia acerca de qualquer evento que afronte a política de compliance, a partir de um sistema bem projetado para encorajar a denúncia.          

Até ao momento Portugal tem um índice de aplicação de proteção aos denunciantes reduzido e que resulta essencialmente da Lei n.º 19/2008, de 21 de abril, aplicável aos trabalhadores da Administração Pública e de empresas do sector empresarial do Estado que denunciem o cometimento de infrações de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas, e que se reduz à proteção contra transferência não voluntária ou aplicação de sanção disciplinar, a que foi aditado pela Lei n.º 30/2015, de 22.04, a possibilidade de beneficiarem, com as devidas adaptações, do regime de proteção de testemunhas em processo penal.

Os denunciantes podem ser fundamentais em certos domínios de criminalidade, como a corrupção ou o branqueamento de capitais, em que, frequentemente, é difícil detetar tais ilícitos. A garantia de que se sentem seguros para as comunicar pode conduzir à deteção, investigação e instauração de processos eficazes que, de outra forma, têm potencial para lesar gravemente o interesse público. 

Em 23 de outubro de 2019 foi adotada pela União Europeia, nesta matéria, a Diretiva UE 2019/1937, que visa introduzir um conjunto de normas mínimas comuns, conferindo uniformidade às legislações nacionais que são extremamente fragmentárias e heterogéneas.

Em decorrência, está atualmente em discussão na Assembleia da República a Proposta de Lei 91/XIV, que visa transpor para o ordenamento jurídico nacional a referida Diretiva, assente em dois vetores essenciais: o estabelecimento de canais de denúncia e a proibição de qualquer forma de retaliação, acompanhada da consagração de medidas de proteção e de apoio aos denunciantes, aplicável não só àqueles que denunciem ou divulguem publicamente infrações ao direito da União, mas também àqueles que denunciem ou divulguem publicamente casos de criminalidade violenta, especialmente violenta e altamente organizada, tráfico de estupefacientes, criminalidade informática, corrupção ou branqueamento de capitais.

A estruturação legal de um regime adequado de proteção dos whistleblowers apresenta-se como essencial no combate à criminalidade económico-financeira, fomentando não só um clima de responsabilidade coletiva ética dentro de uma organização, mas também a possibilidade de sinalização da infração em fase ainda precoce ou mesmo prévia, podendo ainda ser resolvida em fase anterior à judicial dentro da própria organização, como igualmente permite uma intervenção do sistema judicial mais atempada e próxima dos factos, relevante na maior facilidade de recolha de prova e de melhor prova e permitindo o encurtamento do tempo que medeia entre o crime e a respetiva reação criminal.

* Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

IN "VISÃO" - 08/11/21

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