09/10/2021

MARIANA MORTÁGUA

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 Função pública congelada

 O primeiro-ministro bem pode anunciar a bonança, mas se no final das contas ela não se sentir no bolso de quem trabalha, é porque não chegou.

Se ouvirmos António Costa, a bonança parece estar já ao virar da esquina. Com uma folga orçamental de 1.800 milhões, uma previsão de crescimento da economia de 4,6% e uma ‘‘bazuca’’ avaliada em milhões de promessas, a confiança é tanta que o primeiro-ministro não hesita em afirmar que “neste quadro, é evidente que a política de rendimentos tem de ser vista, não como um entrave ao crescimento, mas também como um contributo positivo para o investimento”.

São palavras doces para um país amargurado por décadas de castigo económico e perda salarial, mas será que o Orçamento concorda com elas?

No que toca aos trabalhadores dos serviços públicos, já sabemos que a resposta é negativa. A ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, deixou cair por terra a promessa feita em 2019 de aumentar em 1% os salários da Função Pública que, na prática, estão em perda há mais de uma década.

O último ano em que houve aumentos reais foi 2009. A partir de 2010 os funcionários atravessaram o deserto com cortes nas remunerações, congelamento das progressões, cortes nos subsídios, aumento dos horários de trabalho... só em 2015, com a ‘‘geringonça’’, este caminho foi interrompido. Ao longo dessa legislatura a reversão dos cortes e reposição das progressões ajudaram a contrariar as desigualdades mas não foram suficientes para valorizar as carreiras massacradas.

O Expresso fez as contas e concluiu que, em termos reais, “mesmo com o aumento deste ano a somar ao registado em 2020, as remunerações mais baixas vão ficar 5,6% abaixo do patamar de 2010. Já para quem ganhava até 791,91 euros, e que por isso terá mais 10 euros mensais, a perda chega aos 8,5%”. Já os sindicatos calculam que, em alguns escalões salariais, as perdas reais ultrapassem os 10%.

Em 2020, pela primeira vez em mais de uma década, o Governo anunciou um aumento salarial generalizado na Função Pública. Só que a montanha pariu um rato, os 0,3% de atualização ficaram abaixo da inflação desse ano e nem se fizeram sentir no bolso dos trabalhadores. A insuficiência foi tão evidente que levou o primeiro-ministro a anunciar que em 2021, “aconteça o que acontecer”, a valorização seria de pelo menos 1%.

Como todos sabemos, a promessa acabou por não ser cumprida e apenas as remunerações até 800 euros foram atualizadas, mais de meio milhão de funcionários ficou sem aumentos salariais.

É neste contexto e seguindo o fio desta história que temos de olhar para a intenção de manter congelados os salários da Função Pública. Para trás parece ter ficado a tempestade mas também o reconhecimento a quem tanto deu a este país ganhando tão pouco.

O primeiro-ministro bem pode anunciar a bonança, mas se no final das contas ela não se sentir no bolso de quem trabalha, é porque não chegou.

 * Deputada à A.R. pelo Bloco de Esquerda

IN "i" - 07/10/21

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