14/09/2021

GRAÇA FRANCO

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Os presidentes também choram

Um dos raros senhores da História capazes de, sem desistir das suas convicções e de lutar por elas, não ter abdicado de ouvir, até ao fim, os argumentos dos adversários. Dos raros a não se limitar a defender os direitos humanos, com ideias vagas, mas preocupado em “lutar” por eles.

Escassas horas depois da morte de Jorge Sampaio sente-se que não há nada mais a dizer. Cavaco Silva inclinou-se sobre a sua memória. Ferro Rodrigues, um dos companheiros com mais potencial de queixa da liberdade de consciência do ex-Presidente, curvou-se perante o amigo de quase todas as lutas. Marcelo pintou-lhe o retrato fiel do “homem sereno e corajoso” com uma vida “plena de humanidade” em defesa da “Pátria Comum”. Tudo dito.

Sinto que não faço mais do que juntar-me ao coro, vindo de todos os lados e áreas partidárias, saudando a memória de um homem bom. Um dos raros senhores da História capazes de, sem desistir das suas convicções e de lutar por elas, não ter abdicado de ouvir, até ao fim, os argumentos dos adversários, estivessem eles sempre ou ocasionalmente do outro lado da barricada. Dos poucos a respeitar o adversário em qualquer situação. Dos raros a não se limitar a defender os direitos humanos, como ideias vagas, mas preocupado em “lutar” por eles, arriscando-se a meter a mão na massa e passando, pelo mundo, deixando-o melhor em áreas fundamentais.

Em nome da Renascença, devo-lhe um obrigado especial. Em nome daqueles ouvintes de sempre para quem ele, quinzenalmente, aceitou falar, logo a seguir a deixar Belém, meses a fio, num programa de luxo criado pelo ex-diretor de informação Francisco Sarsfield Cabral, o “Três Dimensões”. Ali, ultrapassava muito a discussão da espuma dos dias para passar rapidamente das ondas da atualidade ao oceano das ideias e das mundividências dos participantes. 

Foi no início do século (2007/8). O Francisco era um ex-colega de faculdade ligeiramente mais velho e um grande amigo de Jorge Sampaio e comportava-se como mais um participante, tornando o programa numa conversa “a quatro” onde nenhuma dimensão (religiosa, política, económica, filosófica ou estratégica) ficava para trás. Talvez se devesse ter chamado “a quatro dimensões” pela importância do moderador.

Nessa meia hora de programa “enfumarado” onde D. José Policarpo e Pinto Balsemão reclamavam o sagrado direito a fumar, o mundo era varrido de ponta a ponta, interpretando os sinais dos tempos e antecipando o que mais tarde viria, quase sempre acertando. Invocando a necessidade de um cigarro nas mãos para não lhes fugirem as ideias, o fumo chegava até à porta do estúdio ou preenchia as janelas da rua Ivens até aparecer a fragilidade da figura de Jorge Sampaio, na sua bonomia, no seu fino humor britânico, pleno de serenidade com que tantas vezes defendia “on air” as suas ideias, sempre fortes e tantas vezes diferentes.

Era particularmente espicaçado por um Francisco, na altura diretor de informação, mas essencialmente jornalista, sedento de um contraditório ou de alguma “notícia”, ou opinião mais ousada, que a terceira dimensão esbatia entre homens tão diferentes nas opções conjunturais e nas visões do mundo.

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