19/08/2021

SOFIA VALE

 .





Da reKuperação

O tratamento de fundo da economia portuguesa exige transformações estruturais que promovam a sua diversificação produtiva. Cabe ao Estado ser o catalisador desta estratégia.

Há uns anos, numa aula dedicada à internacionalização dos sectores industriais portugueses, um estudante inquiriu o orador convidado porque omitira da sua análise a indústria do turismo. O episódio, caricato para quem de imediato classifica este sector como de serviços, evidencia um dos mitos recorrentes da economia portuguesa – a de que a internacionalização e, por arrasto, o turismo é a boia de salvação nacional, a panaceia para todos os problemas.

Vem isto a propósito das recentes declarações do Ministro da Economia sobre o desempenho dos sectores económicos no pós-pandemia. Siza Vieira revelou que a recuperação acontecerá em K, indicando uma retoma económica a duas velocidades, nos serviços e na indústria.

Entre os sectores mais dinâmicos estão a construção civil e a indústria transformadora, por oposição à restauração, alojamento e operadores turísticos, os mais afetados. No emprego, esta assimetria atingiu sobretudo trabalhadores precários e menos qualificados, ambos sobejamente presentes nas atividades de turismo.

Este retrato é particularmente inquietante pela dimensão que assume o conjunto de sectores de recuperação lenta. Em 2019, de acordo com o INE, só a atividade turística representou cerca de 15,3% do PIB.

As disparidades sectoriais exigirão respostas cirúrgicas de política económica, nomeadamente direcionadas aos mais debilitados, o que parece indicar que o governo se prepara para iniciar uma nova etapa de ajudas económicas ao sector.

A sensibilidade do turismo às flutuações cíclicas da economia está há muito identificada, não sendo alheia à fragilidade que os dados fazem transparecer. Nesta linha, a volatilidade do turismo e seu impacto recessivo na economia portuguesa tem sido frequentemente qualificada como conjuntural, sendo encarada, na versão atual, como um reflexo do confinamento e da limitação da circulação da população.

O problema de fundo tem, no entanto, uma expressão essencialmente estrutural, resultando de aceitar que a atividade económica portuguesa se vá centrando em sectores produtivos de baixo valor acrescentado e dirigidos a uma procura por bens secundários, facilmente descartáveis em momentos recessivos.

É a consequência de uma ausência de estratégia que consiste em esperar que a conjuntura económica retome o crescimento, escamoteando os problemas ao invés de os resolver. Gradualmente, o turismo vai sendo transformado na monocultura nacional, com todos os riscos de se deixar levar pelos ventos dominantes sem curar do destino onde se vai parar.

O turismo tem sido o ansiolítico de um país deprimido, anulando sintomas sem erradicar a doença. O tratamento de fundo da economia portuguesa exige transformações estruturais que promovam a sua diversificação produtiva. Cabe ao Estado ser o catalisador desta estratégia, fomentando o investimento em sintonia com as grandes prioridades europeias, de reforço da industrialização, de sustentabilidade energética e ambiental e da transição digital.

* Economista, professora do ISCTE

IN "O JORNAL ECONÓMICO" - 12/08/21

.

Sem comentários:

Enviar um comentário