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A trágica agonia do PSD
Maquiavel dizia que um líder político (o seu Príncipe) devia encontrar o equilíbrio entre a força do leão e a astúcia e a perspicácia da raposa. Rui Rio está algures entre a tontaria da barata e a marcha a ré do caranguejo
Há três partes numa tragédia clássica. O Prólogo, onde arranca a trama, os Episódios, onde se desfia a páthos ou o sofrimento intenso do protagonista, e por fim o Êxodo, onde se dá o clímax e a cathársis.
Se a história do PSD desde a saída de Passos Coelho fosse uma tragédia à portuguesa, estaríamos na fase do crescendo da agonia. O páthos de Rui Rio é uma sucessão de tormentos e autoafligimentos, capaz de despertar a comiseração dos espectadores. Um fio condutor de erros, falhas estratégicas e inabilidades que se adensam cada vez mais e que rumam a um destino fatal.
Ponto prévio: muitos se congratulam ou pensarão que não é nada consigo, só porque são de outras cores políticas. Enganam-se. A tragédia laranja importa a todos os democratas. A saúde e a estabilidade do sistema político nacional exigem uma alternância sólida, respeitadora dos princípios fundamentais da democracia, e por isso o País precisa de um PSD coeso, consistente e capaz. Tudo isto é hoje, infelizmente, uma miragem.
O protagonista desta tragédia é Rui Rio, o comandante de um barco numa travessia atlântica sem leme nem bússola. Sabe para onde quer ir – para o governo – mas não tem, neste momento, a mais pequena ideia de qual deve ser o caminho para lá chegar. Cometeu todos os erros que um líder não deve cometer: com honrosas exceções, rodeou-se de fracos e indigentes; foi errático nas escolhas de percurso, tanto apontando para um bloco central como alinhando em coligações negativas; enleou-se sobre si próprio e sobre os dogmas de que se convenceu; escolheu os amigos e os inimigos errados; descaracterizou e desvirtuou os princípios e os valores do partido. Há um número cada vez maior de clássicos eleitores do PSD, que votaram em Cavaco, Durão Barroso e Passos Coelho, que se sentem legitimamente órfãos e partiram para outras paragens: os moderados foram para o centro humanista do Partido Socialista, os aventureiros para o liberalismo da Iniciativa Liberal, os fascistas, os extremistas e os crédulos desesperados para os territórios radicais do Chega.
A presença de Rui Rio na conferência do MEL na semana passada só veio mostrar o que já era límpido como a água: na tentativa desastrada de ocupar o centro e recusando-se a ser o partido de centro-direita que sempre foi, o PSD vive uma profunda crise de identidade – não sabe quem é nem tão-pouco quem quer ser.
O que mais aflige neste páthos é o deserto de ideias em que o PSD (e a direita tradicional) se transformou. Além dos conceitos gerais de macroeconomia para totós e das ideias de reforma da Justiça que dizem zero ao cidadão médio, Rui Rio não consegue falar aos portugueses porque não tem nada para lhes dizer. Anda a reboque da agenda dos outros, sem avançar com propostas mobilizadoras que façam a diferença na vida das pessoas. A sua capacidade galvanizadora é mais ou menos a de um camião sem travões: quem no seu perfeito juízo quer seguir com ele?
Maquiavel dizia que um líder político (o seu Príncipe) devia encontrar o equilíbrio entre a força do leão e a astúcia e a perspicácia da raposa. Rui Rio está algures entre a tontaria da barata e a marcha a ré do caranguejo.
Com o PSD em agonia e o CDS a esvair-se para a concorrência, a única direita que tem ideias neste momento é a “nova” direita do Chega e da IL: a primeira traz ideias indignas e antidemocráticas, a segunda ideias individualistas dificilmente praticáveis e com poucas preocupações sociais. Muitos moderados humanistas ao centro sentem-se “condenados” ao Partido Socialista, mesmo não se revendo nas companhias, ou seja, nas ideias do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista.
Depois de ter andado a abrir caminho e a dar protagonismo ao Chega, a permitir-lhe sobressair ao mesmo tempo que lhe pedia o impossível (que se moderasse), veio agora, depois de ser torpedeado por André Ventura, dizer “há limites de decência e bom senso”. É um facto, mais vale tarde do que nunca percebê-lo, mas também há limites para a falta de noção estratégica.
Temos à porta as eleições autárquicas e depois o PSD terá a sua dolorosa cathársis. Enquanto isso, o Chega cresce, felizmente mais na cabeça do seu líder – que grita como um miúdo mal-educado a dizer que o parque infantil é todo dele quando só está sentado num baloiço. Nos últimos 25 anos, a direita governou sete e a esquerda 18 anos. A continuar assim, como esteve escancarado nesta convenção das direitas desconchavadas, a esquerda vai ter muitos anos pela frente de governação sem alternância. E isso é péssimo para todos.
* Directora
IN "VISÃO " - 01/06/21
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