02/05/2021

RUI TAVARES GUEDES

 .




Longos anos 

revelam-se em 100 dias

O homem que, durante a campanha eleitoral, foi acusado de prometer pouco, ser incapaz de dinamizar a esperança e apenas poder ser “útil” para derrotar Donald Trump está a fazer, afinal, muito mais do que quase todos pensavam. Há uma boa explicação para isso: chama-se experiência   

Embora desvalorizada e até achincalhada nos últimos anos, por personalidades que baseiam a sua mensagem apenas na energia e na pretensa novidade do seu discurso, a experiência continua a ser, mesmo assim, um dos valores mais seguros e transcendentes de um político. E poucos ou quase nenhuns governantes em todo o mundo podem competir com os anos de experiência política de Joe Biden – o homem que chegou, em janeiro, a Presidente dos EUA, aos 78 anos, depois de mais de quatro décadas nas altas esferas de Washington, mas também com um profundo conhecimento próximo e pessoal das relações internacionais. A sabedoria acumulada durante esses longos anos revelou-se plenamente nos seus primeiros 100 dias na Casa Branca, marcando, nitidamente, uma clivagem com o seu catastrófico antecessor: conseguiu resolver os problemas mais imediatos do país e iniciou uma lenta e difícil ressurreição da credibilidade perdida dos EUA junto dos seus tradicionais aliados, sem se deixar envolver ou enredar em querelas inconsequentes, tanto ao nível interno como externo. E fez tudo isso quase sem se expor, preferindo manter-se nos bastidores, sem se desgastar em aparições públicas, múltiplas conferências de imprensa ou declarações tonitruantes, que podem fazer as delícias das redes sociais, mas que em nada adiantam para a vida dos cidadãos, a quem o governo tem a função de servir.

Os tweets de Joe Biden podem ser aborrecidos ou desinteressantes, mas a verdade é que ele soube sintetizar bem, numa única frase e logo nos primeiros tempos, a sua tarefa principal após tomar as rédeas do poder: “Injeções nos braços e dinheiro nos bolsos.” Simples e cristalino: concentrar todos os esforços na vacinação dos 300 milhões de americanos e, em simultâneo, apressar todos os mecanismos de estímulo à economia e de apoio social, que permitam que esses americanos sejam agentes da revitalização do país.

Mais importante ainda: mesmo sabendo que o êxito do seu mandato estava intimamente ligado à forma como conseguisse responder à crise sanitária e económica, Joe Biden soube aproveitar a oportunidade para iniciar uma revolução na América, que alguns já comparam às protagonizadas por Roosevelt e Johnson. Ao longo destes primeiros 100 dias, ele foi lançando as bases para o maior programa de construção de infraestruturas a que os EUA podem assistir desde o final da II Guerra Mundial, iniciou uma nova política de justiça fiscal que vai completamente em sentido contrário às medidas ultraliberais dos últimos 40 anos, recolocou o papel protetor do Estado no centro da política e conseguiu restituir muita da credibilidade perdida do país na luta contra as alterações climáticas.

O homem que, durante a campanha eleitoral, foi acusado de prometer pouco, ser incapaz de dinamizar a esperança e apenas poder ser “útil” para derrotar Donald Trump está a fazer, afinal, muito mais do que quase todos pensavam. Há uma boa explicação para isso: chama-se experiência.

* Director executivo

IN "VISÃO" - 29/04/21

.

Sem comentários:

Enviar um comentário