18/05/2021

MIGUEL GUEDES

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De não saber o seu fim

 Se António Costa considera que tem um excelente ministro da Administração Interna, conviria que nos apresentasse. É difícil encontrar um ministro que acumule, em tão pouco espaço de tempo, uma tão grave sucessão de desastres.

É verdade que a pandemia é um tempo de particular exigência, onde muito do que se faz é um ensaio sobre a tentativa-erro. Mas a morte de Ihor Homeniuk às mãos dos agentes do SEF nada teve a ver com pandemia. Nem tão-pouco a forma desapiedada como Cabrita lidou com o processo, durante os oito meses em que não teve sequer lembrança que o levasse a pagar os €2200 da transladação do corpo da vítima, então assumidos pela família. Em rigor, o SEF já era, há anos, um "offshore" de impunidade quando Eduardo Cabrita reclamou a inusitada medalha de mérito: "bem-vindos ao combate pela defesa dos direitos humanos". Com esta sentença, damos um pulo até Odemira.

Odemira está para a luta pelos direitos humanos como as golas antifumo para a segurança respiratória no combate aos incêndios. À sucessão de crimes e irregularidades que têm sido denunciados nas explorações agrícolas alentejanas, o poder político tem respondido de olhos fechados e com uma total conivência com os interesses de alguns dos proprietários que, apoiados nas rotas de tráfico e de escravidão humana, tropeçam agora numa visibilidade que só o surto de covid-19 exteriorizou. Sem a pandemia, a "zona de conforto" daqueles imigrantes seria eterna: centenas de trabalhadores em condições desumanas de vida e de trabalho, amontoados aos magotes como peças soltas de uma máquina de humilhação, muitos deles a receber 400 para trazer 200 após descontos e pagamento da dízima, convidados a comprar fiado nas lojas africanas e asiáticas que lhes mantêm a vida em "loop", fazendo perdurar o esquema que no fim acaba em cobrança de juros das dívidas forçadas. E assim se mantêm, manietados. Privados de uma solução, de uma resposta, de uma hipótese sequer. A forma desumana como foram usados, transportados e abusados no plano de Eduardo Cabrita para o alojamento no Zmar, só encontra paralelo na rudeza atroz de alguns dos proprietários. Uma vergonha a céu aberto, no Portugal alentejano.

Mesmos após os alertas do Tribunal de Contas e dos avisos da Altice, ainda não está definido o modelo de funcionamento do SIRESP após 30 de junho. Apesar dos passos que foram dados para a melhoria do sistema - a partir do momento em que passou integralmente para a esfera pública - há medidas decididas em 2017 que continuam por implementar. Na proximidade de mais um verão, de Eduardo Cabrita temos silêncio. António Costa parece ter encontrado um álibi, um pára-raios para um verão quente de incêndios. Costa prefere ter por perto o pior possível para que ninguém repare no mal. Uma espécie de irmão mais velho que assuma todas as responsabilidades ou de irmão mais novo que apanhe com todas as culpas. Seja como for, parece ser uma questão de família e isso é insustentável em democracia. E arrastará, inapelavelmente, António Costa como gestor da herança.

 * Jurista e músico

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 14/05/21

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