03/04/2021

FRANCISCA MAGALHÃES BARROS

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Testemunhas, para quê?

A sobrevivente, que deve ter toda uma linha de montagem onde lhe é incutida uma proteção absoluta,  é ainda desacreditada neste país

Uma mulher, vamos chamar-lhe ‘Rita’,  foi vítima de uma violação atroz, ainda nem o corpo arrefeceu das sensações pavorosas de pânico e ansiedade, pelo corpo ter sido atacado de forma monstruosa e sem piedade, mas esta mulher, já tem de se preparar para recompor estoicamente, para explicar o quão pegajosa se sente, o quão mentalmente a sua cabeça (foi afetada), atropelada por um camião, pois tem apenas 6 meses, para apresentar queixa, ao invés de não ter prazo, em caso de a violação ser considerada crime público. No entanto, não é que neste crime, ela teve ‘sorte’ pois o homem que a violou por trás, para que ela não o identificasse, foi identificado por um homem que ia a passar de carro e assistiu a todo um terror, (conhecia o violador), como um homem que costumava andar sempre a rondar a mesma zona e de manhã trabalhava nas obras locais. 

O violador, deixou-a semi nua, numa calçada gelada. A sobrevivente, que deve ter toda uma linha de montagem onde lhe é incutida uma proteção absoluta,  é ainda desacreditada neste país: «Ilda Afonso, técnica do projeto EIR – Emancipação, Igualdade, Recuperação, da UMAR, refere ter ouvido no centro de atendimento do Porto relatos de mulheres com experiências semelhantes: períodos de espera longos, atendimento sem ter em conta o possível estado de choque em que estavam, acompanhamento insuficiente.

Na raiz destas situações, acredita, estará a própria desconfiança em relação ao que é relatado, desde colocar a culpa nas vítimas a minimizarem-se as agressões, ou mesmo duvidar-se do que é dito. Este duvidar é que traz esta frieza no atendimento, esta despreocupação. 

Segundo o último Relatório Anual de Segurança Interna, 421 pessoas apresentaram queixa por violação em 2018». ‘Rita’, então, completamente apavorada, não consegue falar, está em choque, a fazer terapia, para recuperar do stress-pós traumático, e tão agradecida por ter este homem a depor, que ainda não conseguiu apresentar queixa. Não fora informada que isso não bastava. 

No fundo, ‘Rita’, pensa o mesmo que todos nós, se o Luís viu, eu posso ter mais tempo para recuperar do que estes malditos seis meses! No entanto, ‘Rita’, está doente, pouco come, a terapia demora a fazer tempo! ‘Rita’ está isolada, não sai de casa, passa a vida a olhar pela janela. Está petrificada. Espera que ‘Luís’, a testemunha o faça. ‘Rita’ foi finalmente avisada que tem apenas um dia, para apresentar queixa. Calou-se. ‘Rita’ achou que o pesadelo tinha acabado, mas foi bem pior. O violador, saiu impune, pois o testemunho de ‘Luís’ nada serviu, e caso foi encerrado. O violador, voltou para as ruas, e violou mais duas ‘Ritas’. A primeira ‘Rita’, soube, não aguentou a culpa. Cometeu suicídio.

* Pintora, vítima e activista na luta contra a violência doméstica.

IN "SOL" - 27/03/21

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