01/01/2021

ADÃO CARVALHO

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2020

Até que ponto aquilo que deveria ser excecional acabou por se transformar no normal do nosso quotidiano ao longo deste ano que agora termina?   

O ano de 2020 ficará para sempre na história, se não for mais na história das nossas vidas, como o ano que logo desde o seu início foi assaltado por um vírus novo, altamente contagioso, que se instalou e sobressaltou todo o mundo.

O quando pandémico e a resposta ao mesmo vieram levantar, um pouco por todos os quadrantes, várias interrogações, não só em países com regimes conotados como “não democráticos”, mas também nas sociedades ditas democráticas.

Com efeito, se, por um lado, a doença ataca os direitos à vida e à saúde da população mundial, por outro lado, a resposta à pandemia, que se tem traduzido em medidas drásticas de distanciamento social, restringe os direitos de deslocação, reunião, manifestação, liberdade pessoal, pleno acesso a cuidados de saúde não relacionados com a Covid-19, entre outros.

Os juristas habituados que estavam a discutir apenas sob o plano teórico o constitucionalmente consagrado estado de emergência viram-se confrontados, como os cidadãos em geral, com a aplicação prática não só de um estado de emergência, mas de vários, com importantes restrições nas liberdades individuais.

Como encontrar o equilíbrio entre a necessidade de assegurar a saúde pública e os direitos individuais dos cidadãos? Onde está o limite?

Até que ponto aquilo que deveria ser excecional acabou por se transformar no normal do nosso quotidiano ao longo deste ano que agora termina?

A pandemia precipitou um conjunto de mudanças que já estavam em curso, como o teletrabalho, a educação à distância, a busca por sustentabilidade e a exigência, por parte da sociedade, de que as empresas sejam mais responsáveis do ponto de vista social, mais ativas do ponto de vista humanitário e mais relevantes do ponto de vista de uma construção coletiva.

A crise do coronavírus marcará um ponto crítico na problemática dos dados versus privacidade e poderá despoletar uma tendência de ação que se manterá muito para lá do termo da crise.

A pandemia tem, igualmente, mostrado que os níveis de vigilância e monitorização a que as pessoas estão sujeitas ou podem ser sujeitas, principalmente pelo uso de smartphones, ultrapassa largamente a sua capacidade de compreensão, quando assinalam “aceito os termos de uso e a política de privacidade” numa aplicação qualquer.

Também ao nível da justiça o vírus teve o seu impacto, com uma primeira fase de quase paralisação do sistema judiciário, pelo menos, ao nível da realização de diligências e julgamentos.

Os magistrados tiveram de adaptar-se às novas exigências, quer através do recurso ao teletrabalho, quer através do uso de ferramentas de comunicação à distância, quer retomando as diligências presenciais logo que reunidas as condições de higiene e segurança adaptadas ás novas exigências, embora se diga que nem sempre houve da parte do ministério da justiça o fornecimento atempado das condições, equipamentos e meios necessários.

A sociedade que emergirá desta turbulência será muito mais digital. O esforço de digitalização conhecerá um salto exponencial, à medida em que os limites físicos da ação humana funcionem como constrangimentos ao retomar das atividades económicas. As resistências serão derrubadas, à medida que o mundo virtual se assume como a alternativa à disrupção do mundo físico.

O início do processo de vacinação constitui um sinal de esperança no novo ano que se aproxima e que esperamos nos traga não só mais saúde como mais liberdade.

A vida depois do vírus terá de ser não só diferente, como necessariamente diferente, como resultado de uma evolução e de uma aprendizagem que nos deve conduzir a um novo normal e uma sociedade melhor.

Votos de um Bom Ano Novo.

* Secretário-geral do SMMP

IN "VISÃO" - 28/12/20

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