O
próprio Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, no seu
comunicado de 8 de abril, refere que os impactos socioeconómicos desta
crise sanitária e as medidas de mitigação adotadas pelos governos podem
ser potencialmente catastróficos para milhões de crianças, recomendando
aos governos a implementação imediata de 11 recomendações nas áreas da
proteção, educação e ensino à distância e acesso à informação sobre a
pandemia em linguagem acessível, de modo a fortalecer o direito à
participação das crianças.
Sabemos
que nos momentos de crise as crianças sofrem de forma desproporcional.
Esta pandemia da Covid-19 não é diferente. A Europa tem sido a região
mais afetada por esta crise sanitária, mais de um milhão de casos, cujo
impacto socioeconómico completo ainda se desconhece, prevendo-se que as
crianças mais vulneráveis sejam as mais atingidas. Muitas já vivem na
pobreza. Em 2018, 25 milhões de crianças abaixo dos 18 anos, uma em cada
quatro, estavam em risco de pobreza e exclusão social na União Europeia
(UE).
Investir
no futuro económico e social da UE é crucial neste momento, como também
é crucial investir no bem-estar de todas as crianças na Europa,
dependendo apenas da vontade política dos Estados-membros e das
instituições Europeias colocar as necessidades das crianças no centro
das obrigações políticas e não apenas uma possível escolha política
deixada ao critério de cada Estado-membro. Não fazê-lo seria fatal!
Convém
relembrar que o bem-estar das crianças é um conceito que vai para além
da luta contra pobreza infantil. Engloba outras dimensões, como a saúde,
educação, apoio familiar, proteção e a capacidade das crianças
participarem nas decisões que as afetam. Um nível de vida adequado é um
pré-requisito para o desenvolvimento equilibrado da criança a nível
físico, mental, moral e social.
Pode
parecer uma missão impossível dado o contexto que se vive atualmente na
UE, onde os Estados-membros estão cada vez mais virados para si
próprios, centrando-se apenas nos seus interesses nacionais, em
detrimento do interesse europeu mais lato. Pensar a longo prazo, mas
agir com determinação desde já, é o que é necessário para termos uma
agenda ambiciosa com verdadeiro impacto nos direitos da criança.
Acredito
que Portugal pode ter, uma vez mais, um papel determinante na
concretização deste objectivo ao assumir, a partir do inicio do próximo
ano, a Presidência do Conselho UE e beneficiando do novo ciclo
institucional de cinco anos que se iniciou no quadro da UE. A atual
presidente da Comissão Europeia já se comprometeu a apresentar muito em
breve a futura estratégia da UE sobre os Direitos da Criança 2030.
Só
assim os Estados Membros estarão a cumprir o compromisso global “de não
deixar ninguém para trás”. Agora exige-se que se passe dos objetivos
gerais consagrados no Tratado da União Europeia (artigo 3.º, nº3), na
Carta dos Direitos Fundamentais da UE (artigo 24.º) e na Convenção dos
Direitos da Criança, para ações concretas que promovam o bem-estar das
crianças na Europa. Falamos de 100 milhões de crianças que vivem na
Europa e que representam mais de 20% da população da UE.
A
questão que agora se coloca será por onde começar. Procurarei deixar
alguma reflexão que não é exaustiva, na esperança de que dando a
conhecê-la esta possa ter algum eco junto dos decisores políticos.
Para
que os cidadãos europeus voltem a ter confiança na UE é preciso apostar
numa europa mais sustentável e social. A futura Estratégia da UE 2030
que se espera que substitua a atual Estratégia Europa 2020, deve
apresentar uma meta ambiciosa de eliminação da pobreza extrema até 2030 e
de redução do risco de pobreza e exclusão social até 50%, abrangendo
cerca de 55 milhões de pessoas, das quais 10 milhões são crianças.
De
igual forma, sete anos após adoção da Recomendação da Comissão Europeia
“Investir nas Crianças para quebrar o ciclo vicioso da desigualdade”, a
Comissão Europeia prepara o lançamento, em 2021, da iniciativa
“Garantia para a Infância” que visa combater a pobreza infantil e
assegurar que as crianças tenham acesso a serviços básicos. Podemos
questionar o cumprimento daquela
Recomendação mas
os seus três pilares mantem-se atuais e adequados ao contexto atual, ao
apelar ao desenvolvimento de estratégias integradas no acesso a
recursos adequados para reduzir a pobreza e as carências materiais, no
acesso a serviços de qualidade economicamente comportáveis e no apoio ao
direito das crianças à participação.
Para
que seja um instrumento estratégico e sustentável de combate à pobreza
infantil na UE, o próximo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, com
adopção prevista para junho deste ano, deve prever recursos financeiros
para a concretização da “Garantia para a Infância”. O que significa os
Estados-membros alinharem as respectivas prioridades nacionais dos
Programas Operacionais, já em preparação até final de 2020, para
assegurar a sua efetiva implementação, sob pena daquela não passar de um
conjunto de boas intenções.
A este propósito, a proposta do Parlamento Europeu, já apontou o caminho, apostando num reforço do novo Fundo Social Europeu Mais
(FSE+), prevendo uma dotação específica de 5.9 mil milhões de EUR (5%)
dos respetivos recursos à execução da “Garantia para a Infância”. Cabe agora aos Estados-membros mostrarem que querem fazer este caminho.
Isto significa que se comprometem a garantir às crianças de toda a
Europa, cuidados de saúde gratuitos, educação gratuita, creches e
educação pré-escolar gratuitas, habitação decente e nutrição adequada
como parte de uma garantia para a infância.
Para
que todas as crianças possam beneficiar de soluções efetivas na luta
contra a pobreza infantil e na promoção do seu bem-estar precisamos de
informação eficaz e imparcial da verdadeira situação das crianças na UE o
que só acontecerá se os Estados-membros alinharem os programas anuais
de reforma do semestre europeu com a “Garantia para a Infância” e
desenvolverem indicadores eficazes para o painel de avaliação social do
Pilar Europeu dos Direitos Sociais.
Neste
quadro de desafios, a UE precisa urgentemente de um entendimento comum
em relação à futura Estratégia para os Direitos da Criança com um
horizonte 2030. Os últimos vinte anos podem constituir um capital
importante daquilo que o futuro nos reserva e importa tirar lições
da avaliação dos instrumentos entretanto aprovados como o Programa da
UE para os Direitos da Criança de 2011 e as Diretrizes da UE para a
promoção e proteção dos direitos das crianças de 2017.
Os
próximos vinte anos vão certamente acelerar muitas das tendências a que
estamos assistir, devendo a UE prosseguir uma agenda que promova,
proteja e respeite os direitos da criança em todas políticas da UE, com
um Plano de Ação ambicioso, procurando obter resultados concretos,
associados a um conjunto de prioridades, com medidas e ferramentas e
fornecendo os meios legislativos e financeiros para a sua implementação.
A
UE deverá responder a este desafio definindo as suas prioridades que
passam por: investir na melhoria dos serviços públicos dirigidos às
crianças em áreas como o acolhimento, a educação e a saúde; proteger os
direitos de maternidade e paternidade; combater a pobreza infantil,
fixando objectivos de redução para metade na Agenda da UE 2030; criar
uma “Garantia para a Infância”, dotada de recursos financeiros
adequados; investir na promoção e proteção da saúde mental de crianças;
garantir o acesso equitativo e de qualidade à educação; investir na
educação pré-escolar; investir numa justiça adatada às crianças antes,
durante e depois do processo judicial, respeitando o seu direito de ser
ouvida; criar uma abordagem intersectorial de proteção das crianças em
situação mais vulneráveis; promover a desinstitucionalização criando
respostas na comunidade; eliminar todas as formas de violência; proteger
a segurança on-line das crianças; e promover o direito à participação
da criança, criando verdadeiros mecanismos de participação.
A
mensagem é clara: ter uma agenda da UE para os direitos da criança com
um plano de ação ambicioso para os próximos dez anos não é uma missão
impossível. Pelo contrário, é possível, dependendo apenas de colocar o
bem-estar das crianças no topo da agenda política da UE, assumindo os
Estados-membros e as Instituições Europeias esse compromisso presente e
futuro.