31/12/2020

RITA SILVA

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Não, os “vistos gold”

 não acabaram... sequer 

em Lisboa e no Porto 

Os “vistos gold” devem acabar. Colocam inúmeros problemas, já referidos por diversas organizações e que estão suficientemente comprovados 

Várias notícias têm vindo a público dizendo que o Governo aprova o fim dos “vistos gold" (link is external). É preciso não nos deixarmos ir por certos títulos. A precipitação pode levar-nos ao engano.

Está anunciado desde 2019, através de uma autorização legislativa aprovada no Orçamento do Estado para 2020, que este regime seja alterado nas áreas de maior pressão imobiliária como Lisboa e Porto, prevendo que fosse interrompida a possibilidade da sua aplicação no imobiliário, uma vez que cerca de 90% do investimento no âmbito deste programa é aplicado na compra de imóveis. O Governo deixou passar 2020 e, a poucos dias do seu fim, anuncia novo decreto que prevê que as Autorizações de Residência para Investimento, os chamados “vistos gold”, continuem a investir em imobiliário, nas áreas metropolitanas de Lisboa, Porto e litoral até ao final do 2022. A partir de 1 de Julho de 2021 o valor do imobiliário adquirido nestas áreas terá de ser mais elevado (gerando ainda maior pressão nos preços) para as pessoas poderem, através dessa compra, adquirirem também uma autorização de residência. Teremos então mais dois longos anos de “vistos gold” através da aquisição de imobiliário, nas áreas de grande pressão, onde falta habitação a preços acessíveis, assim como teremos a continuação dos mesmos no resto do país.

Na verdade, os sucessivos anúncios do Governo têm promovido uma corrida aos “vistos gold” e, consequentemente, ao imobiliário nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, fomentando o processo especulativo. Agora sabemos que essa corrida prolongar-se-á até 2022, com preços a subir. Para não falar do impacto que isto terá também no interior do país e ilhas, aí sem data para terminar.

Vale a pena contar aqui uma pequena história: um dia, entrevistando um agente imobiliário, ele disse-me que não vendia casas, vendia vistos, e que, por isso, uma casa que poderia valer 200 mil era vendida a 500 mil porque era isso que interessava ao comprador. Para bom entendedor, meia palavra basta.

Os “vistos gold” devem acabar. Colocam inúmeros problemas, já referidos por diversas organizações e que estão suficientemente comprovados:

  • Podem ser usados para lavagem de dinheiro e formas de evasão fiscal (link is external), aumentam riscos de corrupção, falta de transparência e potenciam condutas duvidosas.

  • Promovem o tratamento desigual e discriminatório, que dá ao estrangeiro que pode comprar direitos pagando o visto (e pouco depois a nacionalidade) um tratamento mais favorável que ao trabalhador imigrante que, anos a fio neste país, não consegue muitas vezes obter a sua regularização. É injusto e imoral transformar, uma vez mais, direitos em mercadoria.

  • O Parlamento Europeu veio declarar-se contra os “vistos (link is external)gold (link is external)" (link is external), defendendo que a cidadania não deve estar à venda, reafirmando os aspetos potenciadores de branqueamento de capitais e atração de criminosos que já eram referidos pelas organizações da sociedade civil.

    Os “vistos gold” têm sido fundamentais para inflacionar preços na habitação, desconectando-os da realidade de quem vive e trabalha em Portugal. Aprovados pela mão de Paulo Portas em 2012, foram das primeiras medidas estatais que apoiaram o disparar dos preços da habitação. Conjuntamente a outras medidas, vieram promover um mercado imobiliário virado para os altos rendimentos e transformar a habitação em produto de investimento em vez da sua função social.

  • Os “vistos gold” não são investimento útil, são antes formas de guardar (e esconder) dinheiro no tijolo, não criam sequer emprego e têm fraco contributo fiscal, contribuem para a especulação imobiliária, cujos ganhos acabam depois por voltar a sair do país.

  • Os “vistos gold” são responsáveis, direta e indiretamente, por milhares de expulsões e despejos. Tornaram uma parte da população mais pobre e precária, vieram contribuir para o aumento da desigualdade social. E, pelo que parece, assim vão continuar. Os interesses do imobiliário acabaram por prevalecer.

* Investigadora e activista na associação HABITA

IN "PÚBLICO" - 28/12/20

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