30/12/2020

JOSÉ MANUEL RIBEIRO

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Os novos donos da língua 

Deixaram de ouvir-se, com as férias, os alunos. E as palavras que são só deles. As inventadas nas redes sociais e SMS, e que a toda a hora replicam, ufanos de modernizar a língua. 

Eles inventam sempre novas palavras. Criticá-las, acicata novas criações. Ignorá-las, é não os entender nunca. A estrutura mental da língua inglesa, aplicada, no subconsciente deles, à língua portuguesa, cria anástrofes imprevistas, vocabulário seletivo, e arreda do uso algumas conjugações verbais.

Espontaneamente, estes novos donos da língua introduziram na linguagem coloquial, e, ora, na escrita, o xau, o bué, o niet, o trollar, o lol... e tantas mais, e aportuguesaram outras que importaram sem imposto alfandegário! A covid, porém, não tem fomentado vocabulário novo. Provocados, não admitem, sequer, conjugar o possível verbo covidar! A covid é um assunto da sua obrigação e dever, mas não do seu interesse. A linguagem virou um instrumento de aferição dos interesses dos alunos.

Inquieta como usam os estritos verbos necessários para a convivência humana. Com elasticidade semântica, enriquecida em cada dia. Verbos como meter e pôr possuem, entre eles, uma megassemia consensual, que já rompeu o pacto sematológico. Mas baralham a comunicação. Linguagem menos precisa e rica. Mas, mais rápida, direta e eficaz. Há dias, elegeram três verbos sinónimos para cada um dos megassémicos. E, agora, é vê-los corrigirem-se, em erudita delicadeza, com os verbos alternativos. Entenderam, finalmente, que o vocabulário preciso constitui a riqueza da língua que pela primeira vez linguarejaram. Mesmo assim, eles estão a mudar a língua! Censurá-los? Caminhar com eles, é bem mais exigente.

Professor de História no Colégio D. Diogo de Sousa, Braga

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 28/12/20

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