15/10/2020

MARIA TORRES

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 (Mais) Um Orçamento sem 

os olhos postos no futuro

 Muitos dos temas discutidos no passado continuam sem ser endereçados de uma forma estratégica. Provavelmente muitos de vós pensarão que este ano não seria possível. Pois, nunca é o ano certo. Já não é o ano certo há demasiado tempo. Temos o futuro permanentemente adiado.

 A proposta de Orçamento do Estado para 2021 surge num contexto particularmente difícil e complexo. A verdade é que não nos faltam Orçamentos do Estado em circunstâncias difíceis: crises económicas, resgastes financeiros, num Estado em permanente défice há mais de 40 anos e, mais recentemente, com níveis de endividamento difíceis de sustentar. No entanto, temos que reconhecer que o actual contexto, resultando de uma crise de natureza sanitária, é mais complexo do que os anteriores, fazendo com que se tenham que considerar como primordiais alguns factores que nunca tiveram tanta relevância em momento anterior.

 A proposta apresenta um conjunto de medidas que têm como objectivo repor rendimentos afectados pela pandemia e, noutros casos, incrementar um conjunto de rendimentos como sejam as pensões e o subsídio de desemprego. No mesmo sentido, a medida que pretende reduzir as taxas de retenção na fonte mensais. Ainda que não se trate de uma redução de imposto, penso que a medida só peca por tardia e insuficiente. O Estado tem que conseguir alinhar minimamente o imposto que retém com aquele que é efectivamente devido no final de cada ano. Reembolsos anuais de IRS na ordem dos 3 mil milhões de euros significam que as taxas de retenção estão totalmente desajustadas. Entendo que num país com o nível médio de rendimentos que temos, as necessidades mensais que muitas famílias têm sobrepõem-se a uma eventual vantagem da poupança forçada.

 Nas actuais circunstâncias, penso que é difícil contestar a necessidade de medidas sociais de apoio. O que me preocupa é que possam ser o reflexo (novamente) de uma estratégia de crescimento baseada no consumo privado interno. Não excluo que algumas medidas possam fazer sentido, mas basear a reanimação económica sobretudo no consumo privado interno, num contexto em que existem, por um lado, grandes limitações a esse consumo por força da pandemia e, por outro lado, um natural receio acerca do futuro que retrai necessariamente os consumidores é um erro. Erro esse, já cometido em orçamentos anteriores.

 É preciso que o Orçamento se foque também na componente de criação de riqueza. No entanto, nesta proposta não se vêem medidas relevantes para reforço da capitalização das empresas (tão necessária neste momento), para reforço do investimento privado e captação de investimento estrangeiro, de apoio à criação de emprego e para o reforço das exportações, transformando um mercado pequeno num mercado do tamanho das nossas ambições. Não se vêem também medidas suficientes para a sustentabilidade futura das micro e pequenas empresas, tão relevantes na nossa economia e tão afectadas por esta crise, nem medidas potenciadoras da criação de novos negócios que venham substituir os que desaparecerão neste período.

 É, pois, necessário ter a capacidade de olhar hoje para o futuro. Sem empresas sólidas não há crescimento económico, não há criação de emprego (a não ser que o Estado pretenda assumir esse papel) e não há criação de riqueza. Sem criação de riqueza não há receita suficiente, nomeadamente fiscal, que sustente as medidas sociais de apoio.

 Antes de iniciar este meu artigo, fiz uma viagem ao passado e reli os artigos que ao longo dos anos fui escrevendo sobre os vários Orçamentos do Estado. Muitos dos temas discutidos no passado continuam sem ser endereçados de uma forma estratégica. Provavelmente muitos de vós pensarão que este ano não seria possível. Pois, nunca é o ano certo. Já não é o ano certo há demasiado tempo. Temos o futuro permanentemente adiado.

 * Tax partner da PwC

 IN "PÚBLICO" - 15/10/20

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