08/09/2020

RITA GARCIA PEREIRA

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Um estranho mundo 
(não tão) novo

A última novidade é pedirem-nos para registar numa aplicação informações pessoais, sob a justificação de que se visa prevenir situações de contágio. Quando tudo ‘isto’ acabar o que farão ao que armazenaram?

“Porque os detalhes, como se sabe, conduzem à virtude e à felicidade; as generalidades são males intelectualmente necessários”. – Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo

Vivemos tempos anacrónicos.

Somos lestos nas críticas, eficazes em processos de linchamento público e o dito confinamento, longe de ter operado um milagre de melhoria na índole das pessoas, trouxe à tona um novo moralismo.

Criticamos o Avante (onde nunca meti os pés e não tenciono pôr) mas aceitamos a Feira do Livro. Pior do que isso: nunca questionámos verdadeiramente o estado de total compactação de cidadãos nos transportes públicos. Dito de outra forma, em Portugal, a Covid-19 parece ser altamente selectiva: ataca nos territórios de lazer mas, segundo o nosso Governo, é ineficaz, quer nos locais de trabalho, quer nos meios de transporte que são facultados aos cidadãos para se deslocarem.

Não creio na inteligência de um vírus que saiba distinguir tempos de trabalho de tempos de repouso. E, no meio das tão sucessivas quanto contraditórias directrizes da Sra. Directora Geral da Saúde, o que me fica é uma sensação de desconfiança extrema sobre o que se anda a mandar fazer, incluindo a nova aplicação informática que nos foi disponibilizada. Começaram por dizer que a Covid-19 nunca chegaria cá. Chegou. Depois, já com o caos instalado, mandaram-nos não usar máscara e luvas e acabámos a ser obrigados a usar as primeiras, pela mesma mão que antes dissera para não o fazer. Pelo meio, fecharam-nos em casa da mesma forma que, agora, nos mandam sair, sem que se vislumbre uma assinalável alteração. Durante meses houve alusões a uma curva que, na realidade nunca achatou, mas que agora desapareceu de todas as referências.

A última novidade é pedirem-nos para registar numa aplicação informações pessoais, sob a justificação de que se visa prevenir situações de contágio. Pergunto, pois, o que farão com as pessoas que têm que usar o metro ou os autocarros cheios para irem trabalhar, caso a sua empregadora não tenha insolvido entretanto. Ou que farão aos meus dados, se um dos meus alunos estiver infectado. Ou, por último, com a falta de qualidade dos equipamentos de protecção individual que forneceram nos tribunais (e, já agora, esquecendo totalmente os advogados), que iniciativas tomarão quando uma das testemunhas ou dos incautos cidadãos que recorreram à justiça se declarar infectado? Derradeira pergunta por ora: quando tudo isto tiver acabado, seja lá o que isto for afinal, o que farão ao que armazenaram?

Nada do que ora descrevo tem merecido uma grande reflexão. É pena. Antes de aceitar fornecer seja o que for, designadamente por onde ando, penso numa outra frase desta vez, de Orwell: “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”. Liberdade? Sempre.

IN "O JORNAL ECONÓMICO"
04/09/20

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