01/09/2020

ANTÓNIO MOTA

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Não há festa como esta

Como sempre, arrastamos a conversa para onde ela não deve ir. Para a luta partidária. Quem gosta ou precisa dos comunistas apoia a realização da festa. Quem não gosta ataca violentamente a sua realização.

Estamos na semana da festa do Avante. Situo-me num quadrante político muito distante do partido organizador deste acontecimento anual que serve para demonstrar a mobilização de que ainda são capazes, mas também para angariar os fundos necessários ao pagamento da sua máquina e ao financiamento dos combates que estão pela frente. As eleições autárquicas, não esqueçamos, estão já aí à porta. Mas ao contrário do que tenho visto fazer por todo o lado não venho juntar a minha voz à daqueles que condenam a sua realização. Acho temerário que o Partido Comunista se queira expor a riscos que não são negligenciáveis. Conservadores como são seriam os primeiros, num país que dominassem, a proibir a sua concretização. Mas como aqui em Portugal a sua voz é necessária e o seu apoio será importante para o Governo, haverá que fazer de conta que tudo isto é normal.

O que não é normal é quase tudo o resto. O fundamento da saúde pública tem servido para tudo. Para fechar a economia e desgraçar setores de atividade que davam emprego a muita gente, para obrigar tudo e todos a cumprir as regras de confinamento da DGS, para impedir associações desportivas e culturais de desenvolver a sua atividade, que garante a vida de artistas, técnicos, animadores, professores, treinadores e de um sem-número de trabalhadores que delas dependem exclusivamente, de inviabilizar o desporto escolar, de dar um golpe fatal em tantos sonhos que muito custaram a construir.
A hipocrisia e a desfaçatez atingem níveis inimagináveis. Num tempo em que já quase todos concordam que a pandemia é algo com que teremos de conviver, em que por toda a Europa vão reabrindo as atividades económicas assumindo os riscos que naturalmente daí resultam, em Portugal continuamos a tomar medidas de curto alcance e que pouco ou nada contribuem para ajudar quem verdadeiramente precisa.

É preferível negar a evidência em vez de assumir a necessidade de mudar a estratégia. Em política convencionou-se que dar um passo atrás pode ser eleitoralmente penalizado. Nada mais errado. As decisões corajosas escasseiam e os problemas vão-se avolumando. Todos sabemos que a reabertura do ano escolar, a abertura das fronteiras, as enchentes nos transportes públicos ou o regresso ao trabalho de quem está em casa sem fazer quase nada são inevitáveis e irão conduzir ao crescimento do número de infetados e da necessidade de reforçar a resposta dos serviços de saúde. Mas parece que as boas estatísticas diárias valem mais do que a sobrevivência de muitos de nós.

É escandaloso ouvir os argumentos de quem continua a sustentar que a manifestação cultural e política de um partido é muito diferente de tudo o resto. Seria melhor, por ser verdadeiro, que o critério fosse idêntico em todos os casos. Mas, como sempre, arrastamos a conversa para onde ela não deve ir. Para a luta partidária. Quem gosta ou precisa dos comunistas apoia a realização da festa. Quem não gosta ataca violentamente a sua realização. E também há aqueles que ficam a meio do caminho achando que o tempo, ou a sorte, apaga ou limita as coisas. Caso paradigmático é a posição do Presidente da República quando nas comemorações do 1.º maio vem dizer que quando aprovou a sua realização nunca pensou que iria ser assim. Nem ele é tolo nem nós gostamos de passar por tolos. Mas de maio a setembro parece que ninguém aprendeu nada.

Vamos ter público nos estádios, nas provas de automobilismo ou de motociclismo e em todas as outras atividades que, normalmente por imposição externa, têm por trás interesses poderosos. Portugal continua a ser pequenino e a não conseguir ser forte com os fortes. Mas se assim é, poderíamos ao menos aproveitar para libertar a economia e deixá-la viver com o equilíbrio possível. Salvaguardando normas de segurança mínimas que nos permitirão viver em comunidade, minimizando as consequências sociais e económicas que são já irreversíveis e respeitando a liberdade dos outros. Para que a festa, tal como a moralidade, seja para todos.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
31/08/20

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