26/07/2020

MAFALDA ANJOS

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No money for the boys

São 58 mil milhões de euros para injetar na economia. É dinheiro que se veja – esbanjá-lo é fácil, investi-lo bem é que exige visão e estratégia

Foram os frugais, os forretas e os ceguetas, liderados pela Holanda, contra os despesistas, os solidários e os visionários, liderados pelo euro franco-alemão. E ao quinto dia fez-se luz. As duas alas com ideias bem distintas do que deve ser a Europa encontraram-se algures a meio caminho, num acordo tirado a ferros que só se alcançou já passava das 4h da manhã do quinto dia de negociações. Ficou para a História este Conselho Europeu duríssimo (as segundas rondas negociais mais longas de sempre), e se não se conseguiu aprovar a desejada bazuca, veio de lá um poderoso lança-foguetes de longo alcance.

Pela primeira vez foi aprovado um instrumento específico de recuperação económica, um Fundo de Recuperação com 750 mil milhões de euros, dos quais 390 mil milhões são a fundo perdido (e não os 500 mil milhões inicialmente propostos). Portugal terá disponíveis 45 mil milhões de euros nos próximos sete anos, 15,3 mil milhões de euros em transferências a fundo perdido e 29,8 mil milhões de euros em subsídios do orçamento da UE até 2027. E ainda saiu da cartola um programa específico para a região do Algarve, suportado por 300 milhões de euros adicionais na área da Coesão. 

Um pequeno grande detalhe ficou inscrito para fazer a vontade aos frugais, que conseguiram também um desconto nas suas contribuições: a forma como é gasto terá de ser fiscalizada mediante “critérios” a definir, para evitar uma má utilização dos fundos. Compreende-se: quem dá quer ver se é bem gasto, quem estende a mão aceita as regras.

Eis agora o busílis da questão: vem aí muito dinheiro para Portugal e é preciso saber o que fazer com ele. Se pensarmos nestes 45 mil milhões e lhes somarmos os 12,8 mil milhões de euros que estão por executar do atual quadro comunitário que têm de ser executados até 2023, são 58 mil milhões de euros para injetar na economia. É dinheiro que se veja – esbanjá-lo é fácil, investi-lo bem é que exige visão e estratégia.

Vale a pena olhar para a História e para o dinheiro da CEE que em tempos chegou a rodos. Entre 1986 e 2011, Portugal recebeu 81 mil milhões de euros em fundos estruturais e de coesão, o que corresponde a nove milhões de euros por dia que vieram de Bruxelas. Grande parte deste dinheiro foi gasta por Cavaco Silva em betão e infraestruturas, de que o País sem dúvida necessitava. Foram determinantes para o turismo e o desenvolvimento económico. A questão, como sempre, são os exageros, os amiguismos e os abusos. Temos uma rede rodoviária megalómana, e houve muito desperdício, desvio de dinheiro e falta de controlo no Fundo Social Europeu, sobretudo no início.

Com a visão estratégica que não foi além do alcatrão, podíamos ter feito mais e melhor.

Cumpre agora investir bem esta verba enorme que vai chegar-nos, e apostar em gastos que terão retorno. O programa de António Costa Silva apresentado esta semana faz luz sobre o que pode vir a ser o caminho: digitalização, reindustrialização, economia verde e descarbonização, e uma nova aposta em infraestruturas, com um novo aeroporto, um TGV e o alargamento da rede do metro na Zona Metropolitana de Lisboa.

Tudo ideias lúcidas, diria que mais ou menos evidentes. A diferença estará na execução. Temos de aprender com os erros do passado. Não pode haver megalomanias nem money for the boys – as atribuições e adjudicações terão de ser criteriosas e as despesas certeiras. E isso, parecendo que não, é deveras complicado.

* Directora

IN "VISÃO"
23/07/20

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