14/07/2020

JOSÉ EDUARDO MARTINS

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Os delfins

É sempre uma maravilha quando as pessoas sabem o que é preciso. Mesmo quando não fazem ideia de quanto custa ou para que serve

Quando o ministro das Finanças, de quem se dizia ser meio governo, fugiu para pastagens mais verdejantes, o primeiro-ministro, num involuntário ato de contrição, disse irritado que “há pessoas a quem o confinamento deve ter feito mal”. Se alguma vez tivesse habitado no mundo real sempre perceberia melhor a evidência e os motivos da tautologia que lhe pareceu oportuno partilhar, mas, para deixar as coisas sérias já pelo primeiro parágrafo, receio que esta “fixação de residência” da Covid-19 já lhe tenha mesmo impossibilitado tanto o esforço de suplantação que se impunha como até mesmo a compreensão de boa parte do que está para vir.

Como se viu, ao primeiro sinal do óbvio – que a total ausência de estratégia para reabrir não é em nada alheia ao agravar da situação –, o nosso comandante limitou-se a perder a cabeça com a ministra à frente de todos no Infarmed, onde, pelos vistos, há demasiada ciência para acreditar em milagres. E por aqui ficamos de coisas sérias nesta vida de celofane.

Mudando de assunto, ou talvez não, tempos destes, lá está, são sempre propícios a um certo circo e se o confinamento não foi bom conselheiro sempre entretém com pouco e assim nos valeram, pour cause e até para distrair da falta de oposição e apatia do Parlamento, os que o partido socialista apresenta como sucessores do líder: Fernando Medina e Pedro Nuno Santos.

O primeiro, que anda claramente em perda, aproveitou a boleia do primoroso raspanete do líder à ministra para, com a mesma elegância e sentido de responsabilidade, se atirar como um leão de televisão à gestão da pandemia na cidade dele.

Com ar de quem exigia ser ministro da Saúde, depois de ter andado de bilha na mão e a tirar fotografias com aviões de material alheio quando tudo parecia correr bem, disse mais do que Maomé sobre o toucinho sobre o desnorte do Governo, agora quando tudo começou a correr mal. Ou, pelo menos, foi o que quis fazer crer para depois, na costumeira saída de sendeiro, sussurrar que o problema é com uns burocratas. Enfim, fez barulho. No dia seguinte, foi em instalações municipais que a pandemia evoluiu no concelho.

Já o Delfim que vai à frente, para nosso azar, escolheu um tema graúdo para brincar aos crescidos, a TAP. E deixou-nos com um presente inolvidável. É sempre uma maravilha quando as pessoas sabem o que é preciso. Mesmo quando não fazem ideia de quanto custa ou para que serve.

O ministro acabou três semanas de intensa atividade (depois de vários meses de isolamento social por via da “aterragem” do Montijo) eufórico numa conferência de imprensa, a roubar o palco ao ministro das Finanças para perorar quase uma hora de bazófias sobre tudo ao contrário – nacionalização, prémios de gestão e outros que tais – do que antes afirmara com a mesmíssima tonitruância e certeza.

Particularmente patusco foi o momento em que, na resposta a uma pergunta direta e simples, se engasgou e se percebeu que não percebia o que tinha acontecido aos empréstimos de Neeleman, depois de lhe ter pago, como todos dizem, mais do que a Lufthansa ia fazer antes da pandemia pela mesma parte do capital.

É o que temos. É fazer as contas, para perceber quantos contribuintes são precisos para juntar estes primeiros 1 200 milhões e esperar que chegue pelo menos até ao fim do ano.

Tudo isto até podia ter alguma graça, pouca, se o PS não fosse estando cada vez mais perto da velha ambição escondida de ser a doce União Nacional da democracia que faz do Estado casa.

É que se for mesmo um destes dois senhores que acaba a pegar no cajado, a direita liberal e moderada que tinha a obrigação de representar a maioria silenciosa – mas só caminha para a irrelevância enquanto deixa medrar tudo o que é daninho à volta– será a primeira responsável por ter falido na alternativa. Assim como um condenado que adivinhava a pena e nada fez para a evitar mas, no último momento, bate no degrau a subir para a guilhotina e exclama: tropeçar dá azar.

IN "VISÃO"
13/07/20

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