09/07/2020

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HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
Há universitários a pagar a 
explicadores para realizar exames 
.no seu lugar

Com grande parte da avaliação a ser realizada à distância, nos últimos tempos, alguns centros de estudo e explicadores têm recebido propostas de alunos que estão dispostos a pagar altas quantias para que um professor faça o exame por eles. FAP diz desconhecer casos e lembra que as instituições trabalham para evitar estes riscos.

Num ano atípico na educação em Portugal, só os alunos do ensino secundário e do ensino superior não escaparam aos exames a que habitualmente estão sujeitos. Contudo, para os universitários, o modelo escolhido e viável para a realização da maioria das provas (que não são nacionais, ao contrário do ensino secundário, e são definidas por cada instituição) foi o online. Um modelo que facilitou a oportunidade de vários estudantes pedirem e até pagarem para que algum professor externo respondesse às questões no seu lugar. O fenómeno é denunciado por alguns centros de explicações, que dizem ter recebido várias propostas neste sentido nos últimos meses.
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A partir de maio, na mesma altura em que as instituições começaram a regressar lentamente ao ritmo do ensino presencial, com aval para reabrir portas às aulas práticas, "não sendo todos os dias, praticamente todos os dias me contactaram para isto". Sempre por telemóvel, através de uma chamada ou de uma mensagem, inicialmente apenas para estudar o terreno. "Perguntavam se dava explicações, mas quando começava a explicar melhor em que consistia, eles caíam em si e diziam mesmo: 'Não era bem explicações que queria, mas ter um professor a ajudar-me a resolver o teste na hora'." Quem o conta é Maxime Ventura, 34 anos, dono de um centro de explicações no centro da cidade do Porto.

 As propostas foram-se multiplicando. Numa conversa com a colega de profissão Leonor Sousa, 53 anos, Maxime percebeu rapidamente que o fenómeno estava a generalizar-se. Com a crise à porta, Leonor tem passado dias difíceis, sobretudo vazios no centro de estudos que gere há 15 anos, na Boavista. Desde que reabriu as salas, poucos foram os que voltaram e "novos só dois alunos do ensino superior". Estes, diz, chegam para apoio ao estudo de determinadas unidades curriculares, mas a maioria "procura sobretudo é quem lhes faça os exames".

 "Muitas faculdades estão a fazer os exames online e não custa nada ter alguém ao lado que diga para fazer de uma determinada maneira. Temos um professor que tem recebido uma quantidade de propostas inacreditável", conta. Trata-se de Hélder Souza, professor universitário, que não tem dúvidas de que o fenómeno esteja a alastrar: "Se aquilo de que tenho conhecimento for uma amostra estatística representativa, então estamos perante um fenómeno de grande escala."

Como responsável pelo centro, foram já várias as histórias que Leonor teve a oportunidade de ouvir. Uma mãe "muito aflita, porque o filho tinha reprovado, foi muito honesto e fez o que sabia, mas os colegas que tiveram ajuda de explicadores conseguiram passar". Outra, uma aluna de Direito, que "disse pagar o que fosse preciso" para que fizessem o exame por si.

"Há professores desempregados que não olham a meios"
Leonor Sousa diz ter recusado uma e outra vez. "Para nós, está fora de questão", sublinha. "Mas sabemos que há aí muitos professores desempregados que não olham a meios" para atingir este fim, principalmente durante a conjuntura socioeconómica que se começa a atravessar no país devido à pandemia."

Também Maxime Ventura levanta suspeitas sobre esta realidade e admite que o caminho mais fácil, atualmente, seria aceitar estas propostas. "Está a ser muito difícil aguentar-me. Vou ver até outubro e, se não aguentar, fecho", lamenta. Por isso, diz que "seria muito fácil aceitar este trabalho", que "hoje estaria melhor e nem pensaria fechar". "Mas não me sinto à vontade para fazer uma coisa dessas, está o meu nome em jogo e pode estar a minha licenciatura em jogo. Apesar das dificuldades, temos de ter alguma moral."

Lembra que ceder seria pôr em causa o ensino superior e o que ele representa para o país. "Estamos a falar de pessoas que vão sair com um diploma exatamente igual ao de muitos bons profissionais e que não sabem o que estão a fazer. Temos de perceber que estamos aqui para ajudar a formar alguém", alerta.

Na perspetiva do professor universitário Hélder Souza, "a educação não é passível de ser comprada" e tentar fazê-lo é um atentado a "um dos pilares de uma sociedade sustentável e de valores. Nisso, frisa, "nós todos como sociedade temos responsabilidade contínua".

Instituições procuram mecanismos de controlo
Quer o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas quer a Federação Académica do Porto (FAP) garantem ao DN desconhecer estes casos. A FAP espera, contudo, que sejam "esporádicos", "até porque os próprios professores não devem querer assumir esse risco e serem vistos como aqueles que aceitaram fazê-lo".

O presidente da federação, Marcos Alves Teixeira, lembra que desde o dia 4 de maio as instituições "foram abrindo a várias velocidades, mesmo internamente". O ensino presencial regressou para "algumas unidades curriculares práticas e outras indispensáveis", mas "a realidade é muito díspar" entre elas. Enquanto umas procuraram fazer regressar as avaliações em modo presencial, "uma grande parte continua a realizá-las à distância".

Os tempos mudaram, as rotinas também, quer para estudantes quer para docentes. Tempos que deram azo a alguma ansiedade que "poderá ter influenciado" o comportamento dos alunos, à procura de terminar o ano letivo da melhor maneira, admite o representante da associação académica. "Um estudante que está em final de curso e que tem de o terminar neste ano, se em tempos normais já sente essa pressão, calculo que agora sinta ainda mais. A ocasião fez o ladrão", diz.

Contudo, tranquiliza e acredita que as instituições têm feito o que está ao seu alcance para mitigar este problema. Marcos Alves Teixeira diz que "há mecanismos para garantir a integridade académica" e que começaram a ser definidos quando se começou também a planear o ensino à distância. Por exemplo, "pedir aos alunos que estejam com a câmara e o microfone ligados, para que o professor possa ver e ouvir" o que cada aluno está a fazer. Outras instituições e outros cursos são mais radicais e obrigam "a ter, inclusive, uma câmara a gravar o computador". "Agora, nada é infalível nesta vida", acrescenta.

* Estudantes universitários nos primeiros passos da corrupção, quiçá da política.

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