06/05/2020

ISABEL STILWELL

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“Uma Senhora não fala de Dinheiro”

No meio de tudo isto, as mulheres a quem foi dito desde pequeninas que “Uma senhora não fala de dinheiro”, estarão numa posição ainda mais delicada. Só o ato de perguntar quanto se propõe pagar-lhes, as deixa nervosas, como se estivessem a ser indelicadas.

Li na Economist que esta pandemia vai reforçar a posição dos trabalhadores que a Covid levou a perceber fundamentais para tocar o barco para a frente, numa lógica de poucos mas bons, mas ao desemprego dos outros, não só por necessidade urgente de reduzir custos, como também porque o seu trabalho se revelou substituível por soluções virtuais.

Philip Coggan escreve que a divisão entre “insiders” e “outsiders” será uma das tendências mais significativas desta mudança. Enquanto os primeiros serão protegidos pelos empregadores, pelo menos enquanto houver dinheiro para lhes pagar, os “outsideres”, aqueles que prestam serviços exteriores às empresas, verão (veem) os seus frágeis laços contratuais amputados. Deixados à deriva, não terão outro remédio senão livrar-se também daqueles a quem compravam serviços, e uns e outros tomarão (tomaram, porque isto já aconteceu!) consciência de que o trabalho independente é uma aventura que acaba mal. Sem rendimentos, juntam-se aos milhares que, como eles, estão dispostos a receber menos em troca de um vínculo contratual firme, aquele que ninguém lhes quer oferecer. Os ordenados baixam para todos.
Provavelmente esta minha interpretação do que li é lapalissiana e provavelmente muito pouco precisa, mas tenho a certeza de que todos os “outsiders” deitam neste momento as mãos à cabeça. Suspeito que muitos não temem tanto pela falta de trabalho, mas pela ausência de pagamento pelo trabalho que vão executar.

Não sei o que se passa noutros países, mas Portugal é, já há muito tempo, o reino das borlas. De tal forma se tornou o novo normal, pelo menos nas áreas em que parece haver mais oferta do que procura, que as propostas já pressupõem que o serviço é sem remuneração, como se fosse absolutamente natural que alguém oferecesse voluntariamente o seu esforço, o seu tempo e os seus recursos, para uma “causa” que tem em vista um negócio.

O descaramento pode até ter origem no oportunismo de explorar alguém que sabem estar nas lonas, mas regra geral é ainda mais absurdo do que isso. A quem “convida” parece-lhe óbvio que 1) o interlocutor sabe bem que a pessoa ou organização (inclusive o Estado) não tem dinheiro e 2) que a pessoa convidada tem o de sobra. Ou, que não sendo exatamente assim, verá naquela “oportunidade” um primeiro passo para fazer currículo ou encontrar o reconhecimento de que precisa para chegar o almejado dia em que poderá mandar propostas como as que agora lhe fazem, aquela parte. Com uns pozinhos de chantagem emocional Covid, o síndroma só se pode agravar.

No meio de tudo isto, as mulheres a quem foi dito desde pequeninas que “Uma senhora não fala de dinheiro”, estarão numa posição ainda mais delicada. Só o ato de perguntar quanto se propõe pagar-lhes, as deixa nervosas, como se estivessem a ser indelicadas, ou a quererem passar-se por mais do que são. Na sua cabeça, competia a quem as convida poupá-las a este sofrimento, nomeando à partida o preço justo, sem as obrigar a regatear. A agir como se “só” o dinheiro lhes importasse. Num misto de vergonha e irritação, acabam por perguntar quais são as contrapartidas financeiras, mas rodeiam a questão de tantos pedidos de desculpa e justificações que imediatamente enfraquecem a sua posição negocial. A taquicardia já é tal quando recebem como resposta o rosário das agruras da empresa, que aceitam sem mais, numa de “É o que não lhe fizer falta”. Sacrificam-se, mas sacrificam também todas as outras mulheres. E sabem-no. Mas é mais forte do que elas.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
05/05/20

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