08/04/2020

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HOJE NO 
"OBSERVADOR"
Reclusos libertados
Luz, água, gás e internet 
não podem ser cortados durante a crise

Esquerda viabilizou projeto do governo para libertar reclusos. Propostas do PS, PCP e CDS aprovadas. PS vai viabilizar propostas da esquerda que suspendem cortes da luz, água, gás ou internet.

O governo já tem luz verde para libertar prisioneiros no combate à pandemia, apesar dos votos contra da direita e a abstenção do PAN. As votações estavam agendadas para o final da tarde, mas o sentido de voto já tinha sido revelado pelos partidos no início da sessão plenária desta quarta-feira, num debate com acusações de “mentira”, “demagogia” e com André Ventura a ser colado à extrema-direita.
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O que também foi consensual foi a proposta do governo que pretende aumentar a capacidade das autarquias na resposta à pandemia. E se o PSD anunciou logo que ia chumbar todas as 100 propostas dos partidos, foi o próprio PS a dar a mão a Bloco e PCP em algumas propostas que a esquerda assume que vão ser aprovadas esta tarde. Uma delas é a suspensão de cortes de água, luz, gás, mas também em comunicações, o que inclui telefone e internet.

O alargamento do fornecimento de alimentação das escolas ao escalão B da ação Social (proposta do PCP), as escolas também acolherem filhos de funcionários dos lares (do PCP) e a não suspensão do serviço de água, luz, gás, comunicações ou tratamento de resíduos são algumas das propostas a que a esquerda chegou a acordo. Por sua vez, serão também aprovadas propostas de alteração do PS sobre o reembolso de Planos Poupança Reforma durante a pandemia e sobre a equiparação das amas às creches para efeitos de apoios. Também a proposta do BE para apoiar a produção cultural e profissionais do espetáculo deverá ter luz verde.

Aprovadas alterações à lei sobre libertação de presos. Quais?
Na votação na especialidade sobre a proposta de lei do Governo para a libertação de reclusos foram aprovadas alterações sugeridas pelo PS, PCP e CDS-PP. Quais? Quem cometeu crimes graves (homicídio, violação ou violência doméstica) não pode beneficiar de indultos. E antes de serem libertados, presos vão ter se seguir orientações da DGS, não ficando claro para já se isso diz respeito à realização de um teste prévio à Covid-19, ou se diz respeito à quarentena obrigatória. Também quem cometeu crimes contra membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários e guardas dos serviços prisionais fica excluído dos perdões. E qualquer preso que volte à prisão depois de ter vindo para o exterior, deve ser sujeito a uma quarentena de 14 dias.

Assim, no que se refere aos indultos, por proposta do PS, ficam excluídos desta possibilidade reclusos condenados pelos mesmos crimes que já não lhes permitiam beneficiar de perdão (como homicídios, violações ou crimes de violência doméstica, entre outros).

Entre as alterações do PCP aprovadas, acrescentou-se no diploma que “compete aos tribunais de execução de penas territorialmente competentes” proceder à aplicação dos perdões.

Já na questão dos perdões, foi aprovada uma proposta do CDS para que fiquem excluídos os “condenados por crimes cometidos contra membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários e guardas dos serviços prisionais”, no exercício de funções.

Foram também acrescentados, por proposta do PS, artigos que preveem “o reexame” dos pressupostos de quem esteja em prisão preventiva – sobretudo no caso de reclusos com 70 anos ou mais – e determina-se que a libertação de reclusos “é antecedida dos procedimentos indicados pela Direção-Geral de Saúde”, sem se especificar se se trata da realização de testes ou imposição de quarentena.

Foi também aprovada, por proposta do CDS, a quarentena obrigatória dos reclusos que voltem ao meio prisional. “Em qualquer das circunstâncias que, nos termos da presente lei, ditam o regresso do condenado ao meio prisional, há lugar ao cumprimento prévio de um período de quarentena de 14 dias, nos termos que tenham sido determinados pela Direção-Geral dos Serviços Prisionais e Reinserção”, lê-se.

Fixa-se ainda, também por sugestão do PS, que este regime excecional cessa a sua vigência quando terminar “a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento” da doença covid-19.

Ministra lembra que Cavaco também perdoou
O debate mais duro desde que foi decretado o estado de emergência foi mesmo o desta quarta-feira sobre o “regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia COVID-19. Traduzindo: libertar prisioneiros para evitar que o surto chegue perigosamente às populações prisionais. Quanto a números, a figura do perdão, explicou a ministra da Justiça, será aplicada a cerca de mil reclusos, enquanto os restantes vão gozar de licenças mais longas (passam de 8 para 45 dias) de forma a diminuir a população prisional durante este período. No total é que se chegará ao total de mais de dois mil reclusos que sairão das prisões.

A ministra da Justiça alertou que “muitos dos estabelecimentos, sobretudo os mais antigos, não têm condições que permitam assegurar o distanciamento social idóneo para evitar situações de contágio”. Francisca Van Dunem alertou que, pelo conhecimento que o governo tem, “a infeção de um recluso, num estabelecimento de grandes dimensões poderá conduzir no espaço de uma semana ao contágio de 200 e que a partir deste momento o contágio evoluiu em proporção geométrica.”

A governante diz que a escolha do governo é “equilibrada no tempo e no modo” e que desenhou “medidas cautelosas” que não descolam dos “princípios gerais do regime penal e de execução de penas”. Francisca Van Dunem — num tiro ao PSD que é contra a medida — garantiu que o “perdão confina a libertação a padrões de baixo risco” e lembra “o perdão foi concedido na democracia portuguesa pelo menos três vezes: nomeadamente em 1986, 1994, na altura era primeiro-ministro Cavaco Silva, em 1999, com António Guterres como primeiro-ministro sendo que em nenhuma das ocasiões estávamos perante uma pandemia”. A ministra garantiu ainda que tudo será feito com “sabedoria” e sem “acrescentar pânico ao pânico”.

O PCP, através do deputado António Filipe, manifestou o apoio à iniciativa e também atirou indireta ao PSD: “Não hesitamos. A demagogia não se enfrenta cedendo cobardemente aos demagogos.” O deputado do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, também apoia a medida e adverte que reclusos e guardas “são pessoas” e o que está em causa é a saúde. E atirou a André Ventura: “Para excitar as massas nas redes sociais a extrema-direita não quer saber da saúde dos presos, dos guardas, dos funcionários, uma infâmia.” O PEV também apoia a medida, mas pediu “equidade” e “equilíbrio”. A deputada não-inscrita Joacine Katar-Moreira elogiou mesmo a “lucidez e humanidade” da medida”.

PSD fala em “redução arbitrária”, Ventura acusado de mentiroso
O PSD que tem recusado fazer oposição ao governo, não hesitou em fazê-lo nesta matéria. O vice-presidente do partido, André Coelho Lima, afirma que “o perdão de penas não é a saída necessária para o que se visa atingir” e defende que o problema se resolvia com a “substituição de uma pena de prisão efetiva por prisão domiciliária seria a mais adequada, dirigindo-se aos grupos de risco”.

Sobre isto, o PS responderia que “não há meios eletrónicos” para o fazer. O deputado concluiu ainda que “a proposta não promove ação humanitária, mas redução arbitrária”.

O deputado do Chega, André Ventura, já tinha feito uma diligência para intervir sobre o assunto no início do debate e tentou tirá-lo da agenda alegando que era inconstitucional. O ponto não foi retirado. Então, na sua intervenção Ventura afirmou que a “lei é uma infâmia”, dizendo que “propõe-se libertar 10% da população prisional” numa proposta que “não faz análise sobre se são reincidentes, se podem voltar a cometer crimes, se há ou não perigosidade social”.

Ventura considera que se “há um perdão com critério, não temos indulto com critério. Se tiver 65 anos um violador sexual pode ser libertado.” No momento em que Ventura o disse várias bancadas gritaram: “Mentira, mentira, mentira”. Para o deputado do Chega este “não é um perdão humanitário, é uma opção ideológica pela libertação de pessoas que devem estar na cadeia.” José Manuel Pureza acabaria por verbalizar a acusação de microfone aberto, alertanto para a “desumanidade e a irresponsabilidade do populismo da extrema-direita que não hesita em recorrer à mentira e ao terror contra saúde pública de todos”.

Houve também quem colocasse condições para votar a favor da libertação de reclusos. O CDS, através do deputado Telmo Correia, percebe a “posição humanista”, mas não aceita a proposta nos termos em que foi desenhada pelo governo e faz depender a aprovação de “garantias” que enumerou, como testar os prisioneiros que saem ou evitar o “alarme social”. Para o CDS votar a favor era preciso que a proposta acomodasse todas estas garantias. Na mesma linha o Iniciativa Liberal diz que não é contra a proposta, mas critica a via “atabalhoada” do governo e que fazia depender a aprovação da proposta de alterações que viessem a ser viabilizadas. Ambos os partidos acabaram por se abster na votação na generalidade e votaram contra na votação final global.

A deputada Inês Sousa Real tinha dito que o PAN não acompanhava a medida do governo por ser desproporcional e por considerar que há outras formas de reduzir a população prisional, alertando que a medida corre o risco de ser mal compreendida pela população em geral e de causar “alarme social”. Absteve-se na votação final global.

E o que mais vai ser aprovado? 
Suspensão de cortes da água, luz, gás e telecomunicações durante e um mês após estado de emergência
Além das duas propostas de lei do Governo sobre perdão parcial de penas, que tem a aprovação garantida à esquerda (que apresentam, contudo, propostas de alteração), e sobre reforço da capacidade das autarquias para combater a Covid-19 (onde o consenso foi generalizado), o Parlamento prepara-se também para aprovar pontualmente algumas medidas do leque de 100 que estão a ser debatidas esta tarde — só em casos pontuais é que o PS dá a mão à esquerda para aprovar uma coisa ou outra.

É o caso da suspensão de cortes de água, luz, gás e telecomunicações, que era proposto por vários partidos, da esquerda à direita. Esta aprovação é dada como certa entre as bancadas da esquerda. Assim sendo, as empresas vão ficar impedidas de fazer qualquer corte ao nível do fornecimento destes bens essenciais durante o tempo em que vigorar o estado de emergência, bem como no mês subsequente, mesmo que as famílias não sejam capazes de pagar as contas respetivas.

O Bloco de Esquerda esclarece ainda que a proibição dos cortes ao nível das telecomunicações vale apenas para casos de pessoas que tenham ficado desempregadas ou que tenham registado uma quebra de rendimento do agregado familiar igual ou superior a 20% ou tenham sido infetadas pelo novo coronavírus.

Mais: os bloquistas defendem ainda que os consumidores que estejam nestas situações possam cessar contratos com as empresas de telecomunicações sem terem de pagar por isso. “Durante a vigência da presente lei, os consumidores que se encontrem em situação de desemprego ou com uma quebra de rendimentos do agregado familiar igual ou superior a 20% face aos rendimentos do mês anterior podem requerer a cessação unilateral de contratos de telecomunicações sem lugar a compensação ao fornecedor”, lê-se na proposta que terá luz verde do PS.

Mas não só. O grupo parlamentar comunista anunciou ainda que será aprovada nesta maratona de votações a proposta do PCP de alargar a possibilidade da utilização de escolas de acolhimento aos filhos dos funcionários dos lares, e a proposta de alargamento do fornecimento de alimentação nas escolas ao Escalão B da Acção Social escolar. Tudo propostas sem grande impacto orçamental, daí que o PS se prepare para aprovar.

E o BE nota que também será aprovada uma proposta de alteração do PS a uma proposta original do BE que equipara às creches as amas registadas na Segurança Social para efeito de apoios. E a possibilidade de, enquanto vigorar o estado de emergência, o valor dos Planos de Poupança Reforma possa ser excecionalmente reembolsado até ao limite mensal do indexante dos apoios sociais, desde que um dos membros do agregado familiar esteja em situação de isolamento profilático ou de doença ou prestem assistência a filhos ou netos.

Também a defesa dos apoios aos advogados e solicitadores, que era pedida por praticamente todas as bancadas parlamentares, deverá ter aprovação do PS. Em causa está o facto de estas duas classes profissionais descontarem não para o regime geral da Segurança Social, mas para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, querendo agora os deputados que as medidas de proteção e apoio social aplicáveis aos trabalhadores independentes sejam estendidas a estes profissionais.
Também a proposta do Bloco de Esquerda para apoiar a produção cultural e profissionais do espetáculo deverá ter luz verde do PS.

Artigo atualizado pela última vez às 19h56 com os resultados finais da votação em plenário

* Leia com atenção esta notícia, não invalida outras consultas sobretudo de canais oficiais.

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