.
IN "EXPRESSO"
29/02/20
.
O sorriso de Trump
O segundo mandato pode ser perigoso: a Trump só restará a ambição de enraizar uma nova cultura política que banalize um autoritarismo de tipo novo.
A eleição de Trump não foi um acidente, nem mesmo um incidente, foi um
ponto de viragem. Em pouco tempo, as direitas recompuseram-se em torno
dos temas do Presidente norte-americano. Não passará muito tempo até que
se estranhe quem, à direita, não imitar a sua pose. E é melhor
apertarmos o cinto de segurança: ele pode ser reeleito e esse será
sempre o mandato mais ameaçador. Começou a contagem decrescente.
Não basta ganhar as cidades
Se bem que a disputa de 2020 mostre o esgotamento do modelo
bipartidário (a nomeação democrata pode vir a ser ganha por um
independente que é socialista e a do partido republicano vai ser ganha
por um que não é republicano), a recente demografia eleitoral demonstra
como é que Trump poderá ser reeleito.
Uma fotografia simples parece indicar o contrário. Os votos
intercalares em 2018 foram em 75% para os democratas nas grandes
cidades. Nos subúrbios das 20 maiores áreas metropolitanas, têm mais de
metade dos votos. É aí que está o poder económico: os condados que em
2016 votaram em Hillary Clinton geraram dois terços do crescimento do
produto desde 2010 e dos novos empregos. Mas, fora dessas cidades, Trump
obteve a maior votação de qualquer candidato republicano desde Reagan,
há 35 anos, e, nos subúrbios das 100 maiores cidades os democratas
limitam-se a uma pequena vantagem de menos de 3%.
Um país dividido ao meio
Um conjunto de estudos de William Frey, um demógrafo do Brookings
Institute que tem analisado a dinâmica populacional nos Estados Unidos,
aponta para um cenário eleitoral mais complicado, que regista a fratura
do país em dois polos opostos. Assim, se os democratas têm maioria nas
cidades, têm perdido peso eleitoral nos subúrbios das áreas
metropolitanas mais pequenas e nos condados rurais, onde andam à volta
dos 25%.
Frey, notando que a maior parte da população vive em zonas
suburbanas, analisou o mapa do que chamou subúrbios maduros (com mais de
75% da área construída, com 82 milhões de eleitores), subúrbios
emergentes (entre 25% e 75% de área construída e 27 milhões) e os outros
(com menor construção e 9 milhões). Nos subúrbios maduros, os eleitores
brancos passaram de 70 para 58% desde 1980, o que significa aumento de
comunidades que são mais fiéis ao voto democrata. Mas nos outros Trump
ganha com grande vantagem e, nas zonas rurais, com mais de 80%. Isso
dá-lhe uma dispersão de voto que permite uma vantagem nas eleições
presidenciais (foi assim que foi eleito mesmo com menos três milhões de
votos do que Clinton).
O ódio resulta
Este mapa permite compreender as escolhas de discurso de Trump. Como tem
o país dividido, prefere o discurso de ódio e de medo para mobilizar os
seus eleitores e para os tornar indiferentes a qualquer argumento. Como
dizia o seu advogado, o milionário passaria a ser imune a qualquer
acusação, mesmo que matasse uma pessoa na 5ª Avenida. Assim, utilizou o
julgamento no Senado para erguer uma maré de devoção e para submeter as
instituições. Desta forma, o trumpismo, com o mais implausível dos
líderes, é uma força social crescente. O discurso contra as comunidades
imigrantes, procurando capitalizar os votos dos trabalhadores brancos
pobres, é reforçado pelo discurso imperial e pela arrogância destrutiva
contra os seus adversários. E é isso que revela como o segundo mandato
pode ser perigoso: a Trump só restará a ambição tremenda de criar e
enraizar uma nova cultura política que banalize o autoritarismo de tipo
novo que tem prosseguido.
* Professor universitário. Activista do Bloco de Esquerda.
IN "EXPRESSO"
29/02/20
.
Sem comentários:
Enviar um comentário