05/02/2020

VIRIATO SOROMENHO MARQUES

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O Brexit como fadiga histórica

No day after do Brexit importa refletir sobre a deriva psicopolítica que ele representa. Uma deriva partilhada pelas elites partidárias (incluindo os trabalhistas, que foram seus cúmplices) e por metade do eleitorado. Apesar de toda a sua especificidade, penso que não se pode falar de uma excecionalidade britânica. O grande problema do Ocidente, desde que a invenção simultânea da máquina a vapor e do capitalismo industrial-financeiro introduziu o turbo na velocidade da história humana, consiste em saber qual o melhor modelo político para enfrentar os problemas resultantes dessa aceleração: se o da cooperação ou o da competição/conflito.

A primeira enorme mudança foi a solidificação do Estado-nação, sobretudo após a Revolução Francesa, vencendo a resistência da aristocracia e do clero, enraizada na economia agrária do Antigo Regime. A França imperial derrubou a fantasia benevolente dos intelectuais das Luzes: a Europa esclarecida não seria pacífica e cosmopolita. A "civilização", como o nosso Almeida Garrett o escreveu em 1830, foi espalhada como "contrabando" pelo proselitismo das baionetas napoleónicas. Entre 1815 e 1914, o princípio nacional amadureceu e "naturalizou-se" no Ocidente. A Grã-Bretanha uniu a nova forma nacional à antiga forma imperial, iniciada nos tempos de Isabel I, e foi a potência dominante no século XIX.

A chegada tardia da Alemanha ao Estado nacional foi feita em sobreposição com a sua marcha para a hegemonia continental. Só os talibãs neoliberais fingem acreditar que a conquista dos mercados dispensa a pólvora do Leviatã. Entre 1914 e 1945, a febre europeia falava alemão. Sem a sua desmesura não teria havido uma revolução bolchevique que nasceu internacionalista mas acabou no terror do "socialismo num só país".

O turbocapitalismo acelerou ainda mais a história depois de 1945, com os EUA a liderar uma geografia política em incerta mutação. Depois de Washington ter puxado as orelhas a Londres e a Paris, frustrando a aventura neocolonial do Suez, em 1956, a Grã-Bretanha tentou juntar-se à "construção europeia", apenas conseguindo entrar em 1973, por cima do cadáver de De Gaulle.

Depois de 1989, com o advento universal do neoliberalismo, a corrida à pilhagem até ao tutano da Terra intensificou-se, assustadoramente. Os EUA fogem ao fardo da liderança, arruínam o seu capital de influência em causas menores e guerras invencíveis. A China é a Alemanha do século XXI, mas com a experiência de quem foi gigante até ao século XVIII. Crise ambiental, emergência climática, uma economia autofágica, terrorismo, refugiados ambientais e climáticos, implacável competição tecnológica... Demasiados tabuleiros para o narcisismo preguiçoso de líderes em que a nostalgia imperial e a incompetência se misturam...

O Brexit é um sinal de fadiga e fuga da história, através do abraçar de uma nova pequenez. Mas não será isso similar à longa fase anal da Europa do euro, à teimosa recusa de uma "união de transferência", esse quimérico seguro de vida à medida de Berlim?


Professor universitário

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
01/02/20

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