29/01/2020

HELENA TECEDEIRO

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A arte de tirar cortiça do tio Zé

Quando se passa pelas estradas do Alentejo, é cenário comum o daquelas árvores de tronco avermelhado em contraste com os ramos escuros e rugosos. São sobreiros aos quais acabaram de tirar a cortiça. Tirar. Porque a cortiça não se recolhe nem se apanha, tira-se. De nove em nove anos, os homens sobem ao sobreiro e com o seu machado, a sua arte e o seu amor tiram a cortiça, um material usado nas rolhas das garrafas de todo o mundo e de que Portugal é o maior produtor.

Nunca assisti a uma tirada da cortiça, com alguma pena minha. Mas tenho bem fresco na memória a minha mãe a contar como o irmão, o meu tio Zé, era grande perito nessa arte. "O tio Zé era muito bom a tirar cortiça. Nos outros trabalhos não se destacava, mas a subir aos sobreiros era o melhor", lembra ainda hoje com orgulho naquele irmão dez anos mais velho. O segredo? "Ele subia ao sobreiro e andava lá em cima como os outros no chão. Até nos sobreiros mais altos. Não tinha medo. E nunca caiu!"

E a verdade é que tirar cortiça não é para todos. O calor - o trabalho é feito do final da primavera ao pico do verão -, as formigas, manter o equilíbrio em cima da árvore enquanto se manobra o machado, não é para todos. Talvez por isso só seja entregue a especialistas, capazes de tirar a cortiça sem danificar a árvore. Um trabalho, diz quem sabe, feito em seis etapas em que o trabalhador começa por abrir a cortiça com um golpe certeiro de machado, antes de separar a prancha do tronco, segue-se a traçagem, que define o tamanho da prancha. Esta é depois extraída com todo o cuidado para não se partir - quanto maior for, mais valor comercial tem. O trabalhador tem ainda de descalçar - ou seja retirar os restos de cortiça que ficaram agarrados ao tronco e, por fim, marcar a árvore com o último algarismo do ano em que foi tirada a cortiça.

Das rolhas aos chapéus vendidos aos turistas, do revestimento dos solos aos bancos do metro, são muitas as utilizações dadas à cortiça. Mas é preciso lembrar que por detrás daquele material tão português se esconde o esforço de muitos "tios zés", esses cada vez mais raros tiradores de cortiça.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
21/01/20

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