12/12/2019

SANDRA MAXIMIANO

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A transparência cria valor

No decreto-lei que altera as regras das parcerias público-privadas (PPPs), publicado esta quarta-feira em Diário da República, consta que a análise custo-benefício deixa de ser obrigatória. Mais, a decisão que dantes cabia ao ministro das Finanças, juntamente com o ministro da tutela do projeto em causa, passa a ser da responsabilidade do conselho de ministros. Esta alteração prejudica a transparência e favorece a discricionariedade, algo que não é desejável quando estamos a falar da utilização de dinheiros públicos.

As parcerias público-privadas que têm como objetivo assegurar o financiamento, a construção, a renovação, a gestão ou a manutenção de uma infraestrutura ou a prestação de um serviço têm proliferado na maioria das economias desenvolvidas e Portugal não é exceção. A razão para uma eventual preferência pela contratação pública de parcerias público-privadas, por comparação à aquisição convencional de serviços similares, prende-se com a hipótese que o envolvimento privado nas fases de projeto, financiamento, construção e operação pode reduzir os custos ou fornecer maior qualidade aos mesmos recursos. Ou seja, as PPPS podem permitir criar mais valor para o mesmo dinheiro investido.

É importante ressaltar que não se trata de atingir o menor preço inicial, mas sim de otimizar a combinação de custos e qualidade durante toda a duração do projeto. Portanto, existe criação de valor com a PPP se esta, por exemplo, fornecer serviços de infraestrutura a custos de vida útil mais baixos com o mesmo nível de qualidade ou fornecer os serviços aos mesmos custos, para toda a vida útil do projeto, com uma qualidade de serviço mais alta (ou qualquer combinação dos dois). Sendo assim, a avaliação de tais custos não deve considerar apenas os custos iniciais de capital e construção, mas os custos para toda a vida útil dos diferentes mecanismos de provisão, ajustando para potenciais níveis de risco e taxas de desconto de forma o valor presente dos cenários alternativos.

É verdade que existe alguma discricionariedade na análise custo-benefício que pode ter implicações na sua eficácia. Por um lado, é preciso criar um cenário alternativo de aquisições públicas convencionais e provisão pública de serviços de forma a criar um modelo hipotético para estabelecer uma base contrafactual contra a qual a opção PPP pode ser avaliada. Por outro, existem uma série de variáveis que não são conhecidas, como por exemplo, taxas de juro futuras, que podem ser mais ou menos manipuladas na análise. Esta discricionariedade não implica, contudo, que se deva prescindir da análise custo-benefício, mas antes que se deve exigir o máximo de rigor desta e avaliações mais constantes. É essencial que se realizem análises e avaliações eficazes de pré-design e pré-construção dos projetos propostos. As abordagens tradicionais tendem a concentrar-se no cumprimento das metas de duração do projeto e do orçamento, mas essas avaliações unidimensionais podem não levar em conta as interfaces jurídicas, organizacionais e financeiras mais complexas criadas por várias interações das partes interessadas. É preciso uma avaliação dinâmica, abordagens e mecanismos mais eficazes para lidar com o ambiente volátil inicial. As partes interessadas devem ter uma estrutura de medição de desempenho eficaz para avaliar as PPPs antes de tomarem decisões cruciais nos principais projetos.

É imprescindível que se separe a análise das vantagens e desvantagens da realização de um determinado projeto, por exemplo a construção de um novo hospital, da análise de como este projeto deve ser levado a cabo, com ou sem PPPs. A questão de se construir um novo hospital é informada por uma multitude de considerações públicas, como as necessidades de providenciar cuidados de saúde de uma determinada comunidade local ou a necessidade de criação de emprego. Os méritos da proposta podem passar primeiro pelo escrutínio eleitoral e depois por decisões políticas e governamentais. A questão de se fazer ou não uma PPP, e que tipo de parceria se deve fazer, é de natureza diferente. As decisões para determinar se esta é a forma mais eficiente e eficaz para atingir os objetivos do projeto devem ser determinadas com o recurso a métodos económicos, imparciais e transparentes.

É preciso uma legislação de PPPs que garanta um ambiente robusto e competitivo para a participação do setor privado, mas também é preciso que esta legislação proteja o interesse público. Por exemplo, fixando limitações da responsabilidade da entidade pública para a dívida do projeto, garantindo a transparência do processo contratual que promova a concorrência, exigindo processos de avaliação e auditorias e impondo limites razoáveis às durações das concessões. Tornar a avaliação das PPPS um processo mais político e menos económico, mais discricionário e menos factual, desincentiva a competitividade à priori, o que por si só é um fator de potencial destruição de valor. Mais, contribui para o que tanto está em falta em Portugal: uma avaliação clara de políticas públicas.

IN "EXPRESSO"
07/12/19

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