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* Director executivo
IN "VISÃO"
28/11/19
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O Interior não precisa
da “descentralização”
Mais do que golpes de afeto ou de emoção, o Interior precisa que lhe falem verdade
A desertificação do Interior é um dos problemas mais graves que
Portugal enfrenta, atualmente, devido às consequências que pode ter para
a coesão nacional e para o desenvolvimento económico. E é também, sem
qualquer margem de dúvida, um dos de mais difícil resolução e um dos
que, para ser bem-sucedido, exigirão sempre um esforço constante e
prolongado ao longo de muitos anos. Grande parte da sua dificuldade
reside no facto de este ser um problema que se interliga com outros dois
dos maiores combates que o País terá também de enfrentar nas próximas
décadas: a quebra de natalidade e a emergência climática. De uma forma
ou de outra, os três desafios cruzam-se uns com os outros e terão de ser
enfrentados em conjunto. Não há, por isso, soluções imediatas nem
milagrosas para qualquer um deles, mesmo que venham acompanhadas pelas
declarações mais eloquentes ou, sobretudo, por planos puramente teóricos
sem qualquer relação com a realidade local.
Esta é uma verdade que tem de ser assumida, com clareza, pelos
poderes públicos – sem receio de sublinhar que tudo o que possa ser
feito levará anos a concretizar-se e com a obrigação de avisar que será
impossível inverter, com rapidez, um movimento migratório lento de
décadas. Até porque a situação agravou-se, nos últimos anos –
curiosamente, quando o Interior até ficou mais “próximo” do Litoral,
graças à rede de autoestradas construídas um pouco por todo o lado, com o
objetivo de reduzir distâncias e de impedir o isolamento a que muitas
populações estavam votadas.
A verdade é que, como se viu, em vez de aproximarem, as autoestradas
acabaram por separar o País entre o Litoral e o Interior. Por uma razão
simples: tornou-se muito mais rápido e sair das povoações com fracas
infraestruturas, com populações cada vez mais envelhecidas, de onde
praticamente desapareceram os serviços básicos e a esperança de qualquer
futuro para os mais jovens. Hoje temos, por isso, um País dividido não
por acidentes geográficos, mas por perspetivas de oportunidade de vida.
Temos uma divisão clara entre o País habitado e o País desertificado. Um
que se estende ao longo do Litoral, por vezes já sob forte pressão
demográfica e onde é cada vez mais difícil encontrar habitação ou sequer
salários dignos, e outro que, apesar dos esforços de muitos notáveis e
esforçados resistentes no Interior, vai ficando deserto, repleto de
casas vazias, edifícios históricos ou tradicionais a degradarem-se e uma
sensação evidente de desalento e de abandono.
É justo reconhecer que o Programa de Governo agora apresentado tem
vários parágrafos dedicados ao tema e até um capítulo sobre a Coesão
Territorial. Na estrutura do Executivo também se mantém uma Secretaria
de Estado da Valorização do Interior, uma das três (juntamente com a da
Conservação da Natureza, Florestas e Ordenamento do Território, e a da
Ação Social) que vão ficar instaladas fora de Lisboa, numa ação chamada
“descentralização” e destinada a promover o Interior. Ora, embora se
perceba a tentação de se optar por essa manobra, capaz de gerar ondas de
simpatia nos locais onde vão ficar instalados os governantes, também se
torna muito difícil conseguir perceber qual será o verdadeiro efeito
prático que se pode obter com ela.
Por coincidência, passei a última semana a percorrer, em ritmo lento,
os distritos de Castelo Branco, Guarda e Bragança, precisamente aqueles
onde vão ser instaladas as secretarias de Estado.
Reconheço a minha
“cegueira”, mas não consegui vislumbrar nada em que essa medida de
“descentralização” possa beneficiar, na prática, o Interior e contribuir
para combater a desertificação.
Aceito que possa existir um efeito
emocional, em especial quando uma cientista prestigiada como Isabel
Ferreira declara que vai continuar a trabalhar em Bragança, onde sempre
desenvolveu a sua atividade científica, no respetivo Politécnico. Mas
mais do que golpes de afeto ou de emoção, o Interior precisa que lhe
falem verdade. Precisa de medidas estruturais no País e de muitas
pequenas intervenções, coordenadas, com quem ainda lá vive (e tantos
bons exemplos que há ainda!).
Precisa, acima de tudo, que não se perca tempo no acessório e que se
foquem os esforços, isso sim, no essencial. Se é que ainda vamos a
tempo…
* Director executivo
IN "VISÃO"
28/11/19
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