25/12/2019

DANIEL MARTINS

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O que podemos dizer a alguém
 que vai tomar MDMA?

A quantidade de MDMA a circular na Europa aumentou e, para além disso, as pastilhas apresentam-se com doses excessivamente elevadas. Os riscos podem ser diminuídos através de conhecimento e adopção de práticas desenhadas para os reduzir.

Todos os anos morrem cerca de 500 pessoas em acidentes rodoviários. A nível mundial, os acidentes de viação são a principal causa de morte entre os 10 e os 19 anos. No entanto, a recomendação da Direcção-Geral da Saúde não é proibir as pessoas de locomoverem-se em veículos motorizados. É, sim, promover a adopção de medidas de protecção. Investir na educação e tornar obrigatório o uso do cinto de segurança nos carros e capacetes por motociclistas fez diminuir drasticamente o número de mortes na estrada nas últimas décadas. O mesmo deveria acontecer com as drogas.

As pessoas querem consumir drogas e fazem-no à revelia de qualquer cultura ou lei. Andrew Weil, um proeminente médico de Harvard, defende desde os anos 70 a ideia que a procura de estados de consciência é um desejo inato dos seres humanos, como o sexo ou a comida. As substâncias psicoactivas sempre acompanharam a cultura humana e actualmente o álcool e o tabaco são as duas drogas principais, sem fins terapêuticos, que se encontram reguladas. O facto de serem estas duas não se prende de serem as menos tóxicas, muito pelo contrário, mas isso é tema para outro artigo. O facto de estas substâncias serem reguladas permite que uma série de medidas diminuam os riscos associados ao seu consumo, por exemplo o controlo de qualidade na produção e distribuição, divisão em doses que facilita a autogestão do consumo ou informação nos rótulos.

Como qualquer outra actividade humana, o consumo de drogas implica riscos. A boa notícia é que os riscos podem ser diminuídos através de conhecimento e adopção de práticas desenhadas para os reduzir. Problemas que são fruto do consumo de drogas, incluindo overdoses, podem ser prevenidos. A maior parte dos danos relacionados com o consumo é consequência da falta do conhecimento do que se está a tomar — devido ao estatuto ilegal não existe controlo sanitário da composição e de como tomar (saber calcular e gerir as doses). Campanhas que promovem a abstenção do consumo através do “diz não às drogas” não funcionam, pois, entre muitas outras coisas, não influenciam a motivação das pessoas para alterar a sua consciência, de experimentar coisas novas ou assumir riscos.

Por exemplo, o ecstasy/MDMA é uma das substâncias mais consumidas pelos jovens portugueses. No último relatório do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), 5% dos jovens portugueses com 18 anos relataram que tinham consumido MDMA nos últimos 12 meses. Esta substância é um estimulante com efeitos empatogéneos (tem uma componente emocional que aumenta a empatia com os outros).

A quantidade de MDMA a circular na Europa aumentou e, para além disso, as pastilhas apresentam-se com doses excessivamente elevadas (por vezes, acima dos 300 miligramas, como já encontramos no serviço de análises/drug checking da Kosmicare). Através dos dados do Global Drug Survey, o maior questionário online sobre drogas do mundo, sabemos que em média os jovens reportam que consomem cerca de 300 mg ou 1,5 pastilhas de MDMA por noite — uma dose demasiado elevada, quando já se sabe que os estudos indicam que 150 mg é a dose apresenta menos riscos em contexto clínico.

Os efeitos do MDMA quando tomado oralmente fazem sentir-se após 45 a 60 minutos. Um problema das pastilhas produzidas no mercado ilegal é que a sua formulação é inconsistente. Isto leva a que algumas pastilhas demorem mais tempo a desagregarem no estômago e, consequentemente, os efeitos demoram mais a sentir-se. Após uma dose de 75-150 mg, os utilizadores referem que sentem o pico dos efeitos passado uma hora e meia e estes começam a dissipar-se 2 a 3 horas depois. E para que a festa continue, muitas pessoas voltam a tomar mais MDMA.

O facto de se tomarem doses sucessivas aumenta os riscos associados ao consumo. O MDMA é metabolizado principalmente no fígado e umas das particularidades é que um dos metabólitos (um dos componentes em que o MDMA é “transformado") inibe a capacidade do próprio fígado de metabolizar ("inactivar") esta substância. Assim, à medida que se aumentam as doses na mesma noite, pode-se estar a aumentar de forma desproporcional a quantidade de MDMA no sangue (em jargão científico, diz-se que o MDMA tem uma cinética não-linear). A toma sucessiva de doses de MDMA aumenta muito os riscos.

Ou seja, o que podemos dizer a alguém que vai tomar MDMA? Primeiro, ter a certeza que é mesmo MDMA e qual a dose no caso de uma pastilha. Usar um serviço de drug checking, em que é feita a análise química da substância, é uma das possibilidades (a Kosmicare tem este serviço gratuito no seu drop-in, em Lisboa). Principalmente, se for a primeira vez, definir uma dose baixa, nunca tomar sozinho, mas escolher bem a companhia. No caso de pastilhas, e principalmente se não tiveres um serviço de análises disponível, começar sempre por um quarto ou meia pastilha e aguardar uma hora até sentir efeitos. Não tomar mais 150 miligramas. Não tomar mais de 4 a 6 vezes por ano. Manter a hidratação e fazer pausas na dança.

A prevenção só é possível através de informação fidedigna, informação que as pessoas possam usar na prática para diminuir os riscos. Uma discussão séria e aberta sobre estes assuntos pode preparar os jovens para decisões informadas e para lidarem com as pressões dos pares. Aliás, há indicação que adolescentes que discutiram estes assuntos de forma não moralista com os progenitores têm menos índices de consumos de drogas.

Por mais um ano, a Kosmicare é parceira nacional a divulgar o questionário do Global Drug Survey, para nos ajudar a perceber que drogas consomem os portugueses, com que regularidade e em que doses. Só assim poderemos adaptar o conhecimento químico e farmacológico que existe sobre as substâncias e produzir informação prática para transmitir a quem decide tomar drogas. Qualquer dúvida sobre drogas ou assuntos relacionados, contactem a Kosmicare.

* Membro da KOSMICARE e doutorando na FCUP

IN "PÚBLICO"
22/12/19

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