30/11/2019

PATRÍCIA CALCA

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De repente somos todos
populistas?

Ser democrata coloca desafios como ter de garantir que os direitos de quem o não é são respeitados. Mas isso não quer dizer que se pactue com essas lógicas, há que as denunciar.

Que os “novos” populismos parecem abraçar a Europa (e o mundo) não é novidade. Que muitos de nós resolveram ajudar a institucionalizar alguns destes movimentos, ou seja, votaram neles e com isto garantiram aos seus representantes mandatos políticos, também não é novidade. Agora, acreditar que a maior parte de nós se tornou populista já é outra história.

Pessoalmente, não acredito. O estudo científico deste fenómeno mostra que o mesmo não é nem simples nem pode ser simplificado. Além disso, quem no dia-a-dia nos traz essa informação para casa, quer jornalistas, quer analistas políticos, não pode nem deve, acredito eu, fazê-lo de forma leviana.

Com todas as cenas que tiveram lugar à entrada do nosso Parlamento e que assistimos recentemente, não esclarecer a misturada do que para ali vai é um grande erro. Até porque houve alguns esclarecimentos das associações sindicais, que evidenciaram uma posição contra a partidarização da manifestação das forças de segurança. Na verdade, vários partidos manifestaram solidariedade para com essa causa.

Então, porque é que se “dá” o palanque a um membro de um partido? Acredito que foi um erro e não um alinhamento geral. Se assim não for, se não acreditar nisso, não poderei andar muito confiante pelas ruas do nosso país. Mas esta minha convicção não é uma negação optimista e favorável aos partidos não populistas. É uma convicção baseada nos números das últimas eleições.

Claro que me podem falar dos resultados das mais recentes sondagens, etc., mas para um Estado de Direito onde a representação democrática vigora, o que conta não são as intenções de voto, mas os votos nas urnas em eleições legais, justas e, portanto, democráticas.

Em todo o caso, não quero perder muito tempo com estes exemplos, embora os considere necessários já que é a partir deles que muita gente resolve generalizar e, com isso, verdade seja dita, arrastar alguns de nós a acreditar que esta é a “onda”. Aliás, esta ideia ganhou avanço há algumas décadas, e os resultados não foram nada positivos.

Quero frisar de novo que aquilo que me interessa é mesmo referir que, em particular com a crise económica de 2008, muitos países (muitos deles na Europa) assistiram ao aparecimento de novos partidos, muitos dos quais são essencialmente motivados pela conjuntura económica que se vivia na altura.

Desde então, produziu-se abundante literatura académica que compara esta ligação, ou seja, a crise económica e o surgimento de novos partidos mais extremistas. Mas ainda temos muitas dúvidas da direcção causal que se nos apresenta. Parece existir uma clara ligação entre o que é um agravar das condições de vida de uma população, o agudizar de posições diferenciadas entre grupos, quase num clima de sobrevivência e luta por recursos, onde existe o “nós” e o “eles”, e a propagação de ideias populistas, muitas vezes já existentes em partes da população.

Esta predisposição parece ser essencial quando as situações se tornam adversas. E é talvez por isso que, a bem da Democracia, tenhamos de continuar a esclarecer o que certas políticas imaginadas querem dizer em termos de consequências. Essa confrontação entre as ilusões e as verdades prospectivas, espero eu, irá demover alguns dos seduzidos por lógicas no mínimo falaciosas. Mas não nos devemos esquecer deles, dos que não se deixarem demover.

Ser democrata coloca desafios como estes, i.e., termos de garantir que os direitos de quem o não é são respeitados. Mas isso não quer dizer que se pactue com essas lógicas, há que as denunciar. Para tristeza de alguns, e regozijo de outros tantos (muitos mais, sei que sim), ainda não somos todos populistas, e estamos aqui.

* Politóloga, ISCTE-IUL

IN  "O JORNAL ECONÓMICO"
25/11/19

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