19/11/2019

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HOJE NO 
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
A cantiga era uma arma: 
morreu José Mário Branco

O cantor, músico e compositor morreu aos 77 anos, vítima de um AVC. Um dos músicos que marcou o período revolucionário, tornou-se nas últimas décadas um importante produtor musical.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, anunciou José Mário Branco logo no seu primeiro álbum, editado em 1971, em França, onde se encontrava exilado. Esse disco, com poemas de Natália Correia, Alexandre O'Neill, Luís de Camões e Sérgio Godinho, seria um marco na história da música portuguesa.

 Nascido no Porto em maio de 1942, filho de professores primários, José Mário Branco é considerado um dos compositores portugueses mais importantes e renovadores do século XX. Estudou História das universidade de Coimbra e do Porto, foi militante do Partido Comunista Português, foi perseguido pela PIDE e exilou-se em França em 1963, com 21 anos, vivendo intensamente aí os acontecimentos de 1968.

 Nesse tempo de exílio, recordaria mais tarde, percorreu o país para "divertir e dar força" aos trabalhadores que ocuparam escolas, fábricas, bairros e pracetas, com outros cantores portugueses e artistas franceses: "E foi aí que eu e outros artistas portugueses começámos a sair da nossa concha de exilados, e conhecemos muitos artistas franceses e de outras nacionalidades. E daí surgiram algumas afinidades artísticas", relembrou o músico numa entrevista à Lusa em 2017, citando por exemplo a criação da cooperativa artística Groupe Organon, com quem chegou a gravar.

Foi em França que gravou, em 1967, o primeiro EP, Seis cantigas de amigo. E foi em Paris que o conheceu Sérgio Godinho: "E imediatamente desenvolvemos uma amizade. Começámos a fazer parcerias e letras para aquilo que viria a ser o seu primeiro disco, e o meu primeiro disco, que foram gravados mais ou menos ao mesmo tempo", recordou Sérgio Godinho, em declarações à Agência Lusa. José Mário Branco editou Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades em 1971 e Sérgio Godinho lançou Os Sobreviventes em 1972. Os dois álbuns incluem parcerias entre eles e do alinhamento faz parte um mesmo tema, O Charlatão.
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Permaneceram próximos e a última vez que colaboraram foi no álbum Nação Valente, de Sérgio Godinho, para o qual José Mário Branco escreveu o tema Mariana Pais, 21 anos: "Tenho uma dor muito profunda, de repente esta morte súbita. Sempre fomos extremamente leais. Nunca houve um desentendimento. No essencial estivemos sempre próximos e cúmplices. [...] Somos irmãos de armas. As nossas vidas tocaram-se muito e tocaram-se em muitas aventuras criativas e pessoais", afirmou Sérgio Godinho, sublinhando como Branco "teve uma importância fundamental no renovar da música portuguesa".



Nesse período quente, antes e depois do 25 de abril, José Mário Branco trabalhou muito com José Afonso, por exemplo, nos discos Cantigas do Maio (1971) e Venham Mais Cinco (1973). Já nessa altura, revelava-se o grande produtor:

"Há uma história gira com a Grândola, que resulta de um erro técnico meu. O Zeca chegou a Paris com aquela canção, tinha três quadras, era uma canção que ele dedicava a uma coletividade de Grândola... eu de miúdo conhecia o Alentejo. Era a época da Monda, eles iam para lá de manhã e quando voltavam ao fim do dia os homens e mulheres vinham abraçados cantando. O passo deles era: arrasta, pousa, arrasta, pousa. "Ó Zeca, vamos dar a isto a forma do cante alentejano. Tens de fazer a estrutura e eu queria acrescentar os passos dos gajos. O Zeca gostou da ideia. Há uma fotografia dele a aprender como são esses passos. Pedi ao técnico para estender cabos de 30/40 metros, marcámos o beat numa das pistas e gravámos três ou quatro minutos de passos como eles faziam, à volta dos quatro microfones. Foi às quatro da manhã, para não haver ruídos. Só que na mistura eu não estive atento e soa ao dobro da velocidade, parecem soldados. Um dia perguntei ao Otelo: "Porque é que vocês escolheram a Grândola, pá?" E ele: "É uma música tradicional que levantaria menos suspeitas da censura e porque tem aqueles passos que são mesmo de marcha militar." "

O músico foi fundador do GAC - Grupo de Acção Cultural, que entre 1974 e 1977 realizou mais de 500 espetáculos no país e nos estrangeiro. A sua atividade estendeu-se ao teatro e ao cinema. Fez parte da companhia de teatro A Comuna, fundou o Teatro do Mundo, a União Portuguesa de Artistas e Variedades. No Teatro da Comuna, por exemplo, fez em 1978 a música para A Mãe e no ano seguinte para Homem Morto, Homem Posto, ambas peças de Brecht, com encenação de João Mota, que José Mário Branco interpretou ao lado de Carlos Paulo, Fernanda Neves, Manuela de Freitas, Melim Teixeira e outros. No cinema, destaca-se a sua colaboração com Paulo Rocha, tendo composto a música original para O Rio do Ouro (1998) e A Raíz do Coração (2000) - no primeiro também participava brevemente como ator.

A edição de Ser solidário, em 1982, inclui a gravação de FMI, uma das composições mais célebres de José Mário Branco: um monólogo com cerca de vinte minutos gravado no Teatro Aberto no qual, acompanhado por guitarra acústica e flauta, recita e canta um texto que compôs "de rajada", numa noite de fevereiro de 1979.

"Assumo inteiramente aquilo tudo, mas felizmente não estou no estado em que estava na altura, amadureci. Tenho a mesma atitude radical e orgânica, mas é uma emoção mais serena", afirmou o autor à agência Lusa, recordando que estava a viver em casa do irmão em Lisboa, quando compôs o tema. "Tinha acabado de ser corrido do Teatro da Comuna e vivia-se ainda um refluxo do PREC", disse. Sobre a atuação, em 1982, recorda-se de ter posto alguns dos espectadores a chorar. "As pessoas ficaram muito tocadas com aquilo, passaram o mesmo processo que eu ao escrever, que começo com um tom irónico e vou endurecendo e ficando apanhado pelo próprio texto". "Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto", dizia o cantor no fecho da interpretação de "FMI".

* Uma lágrima de dentro.

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