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A Iniciativa Liberal
Por esse Rio acima ou abaixo?
Mudar os protagonistas e, sobretudo, a estratégia e tentar a fantasiosa federação à direita seria garantidamente o fim do PSD como partido de poder.
No momento em que escrevo não faço ideia se Rui Rio se recandidata à liderança do PSD.
Pode
ter ficado impressionado com Cavaco Silva, que disse umas coisas
ressabiadas e pequenitas. Esteve esquecido do imenso amor que tem ao PSD
mas lembrou-se de o gritar já depois das eleições e para lançar a
candidatura de Maria Luís Albuquerque. Personagem que os portugueses
veem como uma espécie de reencarnação do diabo, o outro. Cavaco
santanizou-se, ou seja, ninguém lhe liga mas ainda se acha o centro do
mundo.
Rio também pode ter recuado quando ouviu a extraordinária
afirmação do Dr. Relvas, que tendo feito uma pausa na sua atividade
empresarial no ramo do "ninguém faz a mais pálida ideia" resolveu tentar
o ramo humorístico dizendo que "o PSD precisa de sangue novo", que,
claro, ele está pronto para patrocinar através de uma transfusão com um
dos seus boys.
Rio pode ainda ter ficado esmagado pelos que avisaram logo que o
resultado eleitoral era um descalabro, uma catástrofe. Às tantas tremeu a
ver peças jornalísticas em que só apareciam críticos, dando a ideia de
que não havia um único militante do partido que não quisesse que ele nem
entrasse mais uma única vez na Santana à Lapa.
Pode ter ouvido as críticas do nosso Bannon de Setúbal, Miguel
Morgado, a quem alguém com um enorme sentido de humor deve ter
convencido de que insultar, mentir e dizer umas coisas contra o
politicamente correto, mesmo que disparatadas, é uma forma de talento.
Até fundou um movimento que, com o maior descaramento do mundo, diz que
homenageia a antiga AD. Alguém informe o cavalheiro de que é feio
deturpar a memória de quem está morto e não se pode defender.
Ou,
claro, achar que não vale a pena concorrer com Montenegro, com quem se
pode concordar ou não, mas que ao menos teve a dignidade de assumir o
que tinha já prometido e que teria concorrido se Rio tivesse 20%, 30% ou
40%. Montenegro quer ser presidente do partido e está no seu direito, a
estratégia para o partido parece-me errada, mas é a dele e ele há muito
que dá a cara por ela.
Rui Rio lá saberá as linhas com que se
cose e a decisão que tomará é sempre pessoal, mas há meia dúzia de
coisas que devia levar em conta.
Antes de tudo, o evidente: os
resultados eleitorais foram maus. Para um partido como o PSD não vencer
eleições é sempre um mau resultado. Mas se Rio não sabe que nenhum outro
candidato não faria nem próximo do que ele alcançou, é porque afinal
não percebeu nem a conjuntura política nem o estado do seu próprio
partido.
Numa conjuntura económica em que se conseguiram
criar 350 mil empregos, em que foram repostos rendimentos para faixas
populacionais relevantes em termos eleitorais, em que houve paz social e
em que o governo seguiu as regras orçamentais que o eleitorado típico
do centro aprecia, pensar que o PSD poderia ter melhores resultados é,
no mínimo, desonestidade intelectual.
Depois, ficou
evidente pelos resultados do CDS que a estratégia de encostar à direita
seria, isso sim, mergulhar no precipício. A conversa de federar as
direitas não passa mesmo de uma enorme conversa: os eleitores que se
quer federar estavam no CDS e agora estão divididos com a Iniciativa
Liberal e a Aliança (o Chega é outra realidade). São um nicho e a
tentativa de os captar afasta o eleitorado do centro. Foi a aposta no
centro político que permitiu ao PSD não ter um resultado bem pior e que
deu ao PS a vitória que obteve. É esse eleitorado que permite governar e
é exatamente esse que os sociais-democratas têm de tentar reconquistar
já nas próximas autárquicas.
Convém não esquecer que o PSD
vem, essa sim, da pior derrota da sua história. Nas últimas
autárquicas, os sociais-democratas obtiveram, por exemplo, cerca de 10%
em Lisboa e no Porto - resultado que no passado domingo, respetivamente,
duplicaram e triplicaram - sendo certo que globalmente não chegou
sequer a 22%.
A queda constante nos grandes centros
urbanos vem, como é sabido, muito de trás e está ligada a um
esvaziamento do PSD que aqui já referi muitas vezes. O PSD está seco de
talento, de gente com obra na sociedade civil, de pensamento, de ideias.
Está cheio de funcionários que dependem do partido para sobreviver, de
gente especializada em truques politiqueiros.
O facto é que Rio vale hoje mais votos do que o partido e isso, apesar
de correr a favor do ex-presidente da Câmara do Porto, não é uma
situação nada boa para o PSD e que é urgente equilibrar.
Por muito
que custe às pessoas da área do PSD e à saudável alternância no nosso
sistema político, o PSD ainda tem um caminho longo a percorrer até os
portugueses o verem como alternativa. Precisa de sangue novo (não o que o
Dr. Relvas quer injetar), de gerar ideias, de que a memória da
governação de Passos Coelho, justa ou injustamente, desvaneça.
O
ciclo que se avizinha vai permitir uma afirmação bem mais clara e um
muito maior espaço para fazer oposição e mostrar diferenças. É que agora
já não há rendimentos para repor nem exibições possíveis de
contraposição à governação Passos Coelho. Vai ficar patente a falta de
capacidade ou de vontade política de reformar do PS, a impossibilidade
dos socialistas de ultrapassarem os bloqueios estruturais porque neste
ciclo vai ser mesmo preciso governar e não simplesmente navegar à vista.
Seja como for, seria incompreensível que Rui Rio fugisse à luta e não
continuasse o trabalho a que se propôs, e, já agora, corrigindo vários
erros de palmatória que cometeu.
Não vejo, neste momento, melhor
do que Rui Rio para percorrer um caminho de pedras muito complicado.
Mais, mudar os protagonistas e, sobretudo, a estratégia e tentar a
fantasiosa federação à direita seria garantidamente o fim do PSD como
partido de poder.
A Iniciativa Liberal
Não estou certo de que a Iniciativa Liberal tenha grande futuro no nosso sistema partidário. Propostas como a flat rate
ou a quimera da liberdade de escolha no ensino e na saúde dificilmente
serão levadas a sério. Por outro lado, é fácil perceber que o grosso dos
seus eleitores vem de círculos muito abastados, o que por si mesmo
permite prever que a possibilidade de crescimento não será elevada. O
desafio será ficar com mais uma parte do eleitorado do CDS sem se
deixarem cair no conservadorismo nos costumes que afirmam rejeitar. Seja
como for, fizeram uma campanha eleitoral notável, não só na
criatividade (o Manuel Soares de Oliveira é um dos mais brilhantes
publicitários portugueses) como na capacidade de capitalizar
descontentamento, e mereceram claramente o resultado que obtiveram. Pena
é que o campeão deste projeto, Carlos Guimarães Pinto, não esteja no
Parlamento, era ele que, tendo mostrado uma capacidade de trabalho e
política notáveis, merecia defender os valores deste projeto.
O Livre
A
chegada do Livre ao Parlamento constitui um desafio curioso ao BE. Não
no que diz respeito às questões de governabilidade, apenas um deputado,
nas presentes circunstâncias, faz que o Livre não conte para esse
totobola. Interessante será perceber de que forma o BE reagirá à captura
que o Livre tentará fazer de causas como as questões da luta contra o
racismo, homofobia e as de emancipação de género e outras mal designadas
como fraturantes.
No fundo, ficaremos a saber se o BE já está suficientemente consolidado
para deixar que essas bandeiras (que, no fundo, deviam ser de todos) não
sejam centrais no seu discurso político e se o Livre, tendo-as como
mais importantes, vai roubar ou não eleitorado aos bloquistas.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
12/10/19
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