08/10/2019

PEDRO LAINS

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Museus e política

Uma coisa é certa: tem de haver uma nova agenda política para o dia a seguir às eleições. Embora difícil e sempre incompleto, o que foi feito até aqui não serve para encher o programa de qualquer governo que aí venha. Já não bastará como bastou reduzir os impostos directos, aumentar a despesa com pensões, saúde e educação, de forma sustentada, e mudar o discurso da constante desgraça para o de algum optimismo sobre um país que já muito deu à história. Bem sei que muitos dizem que aconteceu precisamente o contrário de tudo isto, mas a verdade virá necessariamente à superfície. O que deve então ser feito?

Por exemplo, algo deve ser feito em torno das dinâmicas de investimento público. Nas últimas décadas, o investimento público foi canalizado sobretudo para a satisfação das necessidades mais básicas de um país com grandes deficiências de infraestruturas. Houve erros - e alguns graves -, todos sabemos, mas ficou algo de esmagadoramente importante. Foi feito saneamento onde não havia, estradas e pontes onde era preciso, e hospitais e escolas onde as deficiências eram notórias. A economia do país cresceu pouco quando isso aconteceu, o que trouxe problemas, mas uma coisa não tem que ver com a outra. A economia cresceu pouco porque não conseguiu acompanhar um mundo com transformações que lhe foram adversas. Mas o país ganhou capital humano e físico essencial para esse novo patamar de desenvolvimento.

O investimento em infraestruturas fundamentais foi travado durante a troika e o governo que agora acaba não teve capacidade financeira para o retomar com a força necessária. Isso vai ter de ser feito no futuro. Mas saneamento, escolas ou hospitais são áreas em que as carências são fáceis de identificar, que envolvem os cidadãos, e para as quais há um enquadramento institucional com processos de concepção e execução relativamente bem estabelecidos.

Todavia, os planos para o futuro deverão entrar por áreas mais complicadas, onde o enquadramento institucional está pouco testado e é altamente deficiente. E, quanto a isso, há dois campos de maior importância, a saber, o da economia verde (chamemos-lhe assim) e o da cultura. Olhemos para o segundo e, em particular, para o caso dos museus da capital, para tentarmos identificar os problemas que precisam de ser cuidados e remediados. Como não sou perito nestas coisas, apenas posso falar a partir da experiência enquanto cidadão preocupado e esforçadamente observador. Lisboa pode inclusivamente ser considerada um dos piores exemplos, pois em Coimbra, Porto ou Viseu as coisas parecem correr um pouco melhor.

Comecemos pela enorme descoordenação dos museus da capital. O primeiro sinal de descoordenação é entre os dois ou três grandes museus privados ou com colecções privadas e os museus públicos.

Para a arte contemporânea temos dois museus privados e um público. Este último, o do Chiado, está virtualmente abandonado, sem uma exposição coerente do acervo, e com exposições temporárias difíceis de entender. Há um par de anos, foi gasto dinheiro numa obra de extensão difícil de entender.

A gestão está totalmente desligada do que se passa na Gulbenkian e na tristemente famosa Colecção Berardo, assim como de obras dispersas pela cidade, num inventário público ainda por fazer.

Na arte antiga, temos um grande museu, mas que recentemente perdeu, por cansaço, um director eficiente. O novo Museu dos Coches é talvez a mais disparatada obra de regime, que nunca deveria ter sido iniciada e muito menos terminada. Quanto a museus pequenos, temos o da Arqueologia, que sofre de subfinanciamento crónico, estando disperso em vários locais; o Museu Etnográfico, uma preciosidade que se tem aguentado, mas desligado, por exemplo, do acervo da Sociedade de Geografia; ou o Museu do Azulejo, que conta uma história desencontrada. A arte romana está dispersa pela cidade (neste caso, inevitavelmente) mas também ela desligada. Acrescem os problemas de tratamento dos achados arqueológicos resultantes das obras na cidade.

Tudo isto está aqui exposto de forma amadora, pois não tenho conhecimentos para o fazer de outra forma. Mas é evidente que falta uma coordenação deste gigantesco e importantíssimo conjunto de peças museológicas, problema que deveria ser enfrentado. E não se trata apenas de dinheiro. Não só houve dinheiro mal gasto, que poderia ser repensado, como se projectam novas obras de regime como a "conclusão" do Palácio da Ajuda ou um tal de Museu dos Descobrimentos.

Trata-se de um exemplo claro de necessidade de futuro investimento público, que requer coordenação e alteração do enquadramento institucional. E haverá mais exemplos. O próximo governo será capaz de mexer neste estado de coisas? Terá força para mudar o enquadramento institucional? Se for capaz, todos ficaremos melhor e ver-se-á um país a avançar. Se não for, o caminho do recuo ao passado será mais difícil de evitar.

* Investigador da Universidade de Lisboa.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
05/10/19

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