08/09/2019

JOSÉ COUTO E SILVA

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CRÓNICA DA CHINA

Queridas amigas e queridos amigos, após largas semanas em Macau, Hong Kong e Sul da China, resolvi fazer uma crónica para vos passar algumas da incríveis experiências e vivências nesta zona do globo, da qual temos conceitos e preconceitos ocidentais completamente dispares das realidades que vim encontrar nesta região da China, que vai de Cantão a Xangai, passando por Shenzhen, Hong Kong e Macau.

Tem sido um experiência única e muito rica, pois tudo isto aqui funciona muito diferente do que nós julgamos e filosofamos no Ocidente.

A China do Sul até Beijing é muitíssimo rica e as pessoas médias e média-altas vivem muito bem (ganham o correspondente entre 2 mil a 3 mil euros), os apartamentos tipo T1/T2 alugam-se mobilados por cerca de 1.000 Euros mensais e a comida é baratíssima (num restaurante chinês ou japonês, se pedires uns 4/5 pratos pagas cerca de 15 Euros, o mesmo preço que se paga num buffet de hotel com cerca de 20 variedades de pratos quentes, não esquecendo saladas, doces e frutas. Se fores a um take-away chinês ou a um Mac pagas entre 2 a 3 Euros).

Os técnicos portugueses, americanos ou europeus ganham nem média 60.000 patacas (cerca de 6.000 euros mensais).

Os prédios são de construção e design modernos e altíssimos, mas são construídos em andaimes de bambu... incrível!

Os metros de Hong Kong e da China são excelentes, passam de 2 em 2 minutos e as plataformas de acesso são em vidro, que só se abrem quando o metro pára. Em Macau ainda não há metro, pois só quase se anda de taxi, por ser um região de gente muito rica, mas tem uma excelente rede de autocarros a passarem também com intervalos de 2/3 minutos.

O governo chinês constrói apartamentos de cerca de 40m2 para os cidadãos e estes só pagam 100 Euros mensais ou compram por 6.000 Euros e o objectivo actual é que todos tenham casa até 2035, mas claro que podem alugar os apartamentos que quiserem nos imensos condomínios de luxo, que existem em Macau, Hong-Kong e na China meridional (Cantão (Guangzhou), Shenzhen ou Zhuhai).

Quanto a transportes é este o cenário, quanto a salários e rendas de casa, também já falei, mas para além disso as escolas e universidades são pagas pelo governo, assim como todo o serviço de saúde. 

As vias principais de Macau têm passadeiras aéreas para pedestres, todas elas com escadas rolantes e/ou elevadores, em todas as zonas de Macau, das mais pobres às mais ricas.  

Todos os autocarros das carreiras citadinas têm ar condicionado e ligações USB em cada assento, para ligares ou carregares o teu telemóvel, Ipad, Ipod, etc) e ligação wifi grátis...só vendo!

O Ocidente vai ser engolido por esta civilização, ainda no nosso tempo, pois a organização e o ritmo de crescimento deles é assustador.

Só para vos dar um exemplo de organização: todos os postos de iluminação da rua têm sempre dois vazinhos com flores naturais a dois metros de altura, para enfeitar. Todos os dias são regados por umas senhoras que vêm com uns pulverizadores...imagina quantos vazinhos. Quando tivémos um tufão (há cerca de 15 dias), que é alertado com antecedência para todos (TODOS) os telemóveis e pela televisão do seu grau de força, os vazinhos foram todos postos no chão ao lado do poste no dia anterior aos dois dias dos ventos fortes do tufão e... no dia seguinte ao tufão já estavam todos penduradinhos. É assustador!

Todos os estudantes até à universidade têm uniformes e como as ruas têm muito movimento, as pessoas vão do lado direito numa direcção e as outras da direcção contrária vêm do lado esquerdo e se um engraçadinho (normalmente ocidental) tentar dar uma de esperto e tentar ir ao lado contrário para ser mais rápido, leva uma apitadela da polícia e entra imediatamente nos eixos ou vai para o xilindró. Aqui a democracia é assim, mas também qualquer deputado ou cidadão que entrar em esquemas de corrupção, fica imediatamente com todas as contas congeladas até se apurar a verdade, pois dizem que se ele tiver dinheiro vai pagar a óptimos advogados para o safarem, o que o cidadão normal não conseguirá isso fàcilmente.

O governo faz o seu orçamento anual e cobra os impostos aos cidadãos e empresas, mas quando no final do ano fizerem as contas e o resultado for positivo, igual ou superior ao esperado, divide esse lucro por todos os cidadãos (o que tem representado nos últimos 15 anos um valor entre 1.000 e 2.000 Euros, anualmente por cidadão).

O governo dá um subsídio mensal por cidadão para ajuda na conta da electricidade, que dá para pagar normalmente a conta mensal, se forem pelo menos duas pessoas a receberem por cada habitação.

Por outro lado aqui só se tem direito a 12 dias de férias por ano e trabalhas em média 10 horas por dia, 6 dias por semana.

Muito poucos chineses trabalham nos trabalhos domésticos, na construção ou como seguranças, pois são normalmente filipinos, malaios, vietnamitas, etc, que ganham cerca de 600 Euros por mês.

Hong Kong é o centro financeiro da China, a região de Cantão/Shenzhen é a região do grande desenvolvimento tecnológico e Macau o centro do jogo e turismo, sendo a província mais rica de toda a China. 

Macau tem mais de 100 casinos, em que 50 deles são no mínimo 20 vezes maior que o casino de Lisboa, com hotéis de 5 estrelas e centros comerciais dentro do casino com as marcas mais caras e conhecidas da moda e de joalheiros.
Existem imensas casas de penhor, com peças a serem postas à venda por 5 milhões de Euros (relógios, pulseiras e colares de diamantes, etc.)... mas de gente que perde ao jogo? Sim, mas não só, pois a maior parte dessas peças compradas pelos penhoristas por metade do seu valor real, são trazidas por milionários chineses que as usam para atravessar a fronteira da China para Macau e ultrapassarem o valor limite imposto pelo governo chinês e que depois as vendem para poderem jogar o valor da venda. 

São realidades muito diferentes do que imaginamos! 

A China Setentrional está numa evolução económica e social assustadora e com a enorme culpa dos governos e das grandes multinacionais ocidentais, que, na ganância dos lucros fáceis, resolveram à cerca de 25 anos começar a fabricar os seus produtos na China, enquanto cìnicamente criticam oficialmente o regime chinês e a suposta ridícula forma de pagamento dos trabalhadores chineses (uma tigelinha de arroz), ao mesmo tempo que criaram um grande nível de desemprego na Europa e Estados Unidos, baixando o nível de vida e salários da sociedade média. Não é esta dramática redução do nível de vida das sociedades médias europeias, que leva ao crescimento exponencial dos partidos de direita e de extrema direita nos países da CEE e na eleição e cavalo da batalha do Trump?

Lembro que a China já possui 1/3 da dívida pública dos Estados Unidos, fechou um acordo com o Brasil para reconstruir toda a rede ferroviária (que foi totalmente abandonada nos anos 80, por imposição das fábricas de camiões alemãs e suecas para se implantarem no Brasil) e é a enorme investidora nos países africanos (tornando-os quase colónias chinesas) e também em muitos países asiáticos, bem como o grande investidor nas infra-estruturas (portos, aeroportos, linhas de caminho de ferro, empresas fornecedoras e distribuidoras de energia, etc) em França, Portugal, Hungria, Roménia e, especialmente, na Grécia, por ter sido o país que tem ajudado a Grécia de Tsipras, após o "abandono" desta por parte da CEE.

Portugal tem um papel importante para equilibrar economicamente todo este processo, que através do sucesso inolvidável do "pastel de nata", não só em Macau (onde qualquer pastelaria, restaurante, snack-bar tem filas para comprar os "nossos" pastéis de Belém), mas essencialmente na China onde qualquer banquinha de comidas ou padaria tem os famosos Pastéis de Nata (melhores que os de Macau)...mas são os chineses que os fabricam, depois de um inglês (Mr. Stow) ter levado o conceito para Macau. Inacreditável!

O Ocidente pôs-se a jeito e continua...então aguentem-se!

Quanto aos problemas políticos da China, relembro está este ano a comemorar os 70 anos de independência e de que a China foi ocupada, com centenas de milhares de mortos e 200.000 mulheres violadas pelos japoneses entre 1937 e 1945 e só foi libertada desse jugo com a intervenção dos Aliados (EUA, UK. França, Austrália, etc) durante a 2ª Guerra Mundial. A China foi destruída e saqueada durante esse período de tempo e ficou na miséria absoluta...daí ter aparecido o Mao Tse e o seu comunismo.

Esse comunismo foi muito radical, mas vê-se que teve efeitos extraordinários, sendo a China, hoje em dia, uma das três maiores potencias mundiais.

Socialmente, há uma evolução indiscutível no Sudeste da China (de Cantão, Shenzhen, Hong Kong, Macau até a Xangai) com a política "Um País, Dois Sistemas": o comunismo na maior parte da China e o um novo sistema neo-capitalista, que se iniciou em Shenzhen, há cerca de 20 anos, com as fábricas ocidentais de altas tecnologias (IBM, Compac, Nixdorf, etc) e de automóveis (Mercedes, BMW, Land Rover, etc) e a implementação de uma política liberalista nessa região, com os operários especializados, investidores privados chineses, comerciantes, etc, a poderem adquirir os bens capitalistas que quiserem, com uma política de redução drástica de impostos, tipo IVA, desde que fabricados na China. Esse desenvolvimento social e económico nessa região, fez aumentar a riqueza pessoal de milhões de pessoas, de tal forma que Macau se tornou a zona mais rica da indústria do Jogo, suplantando Las Vegas, com cerca de 90% dos jogadores a serem chineses, com hotéis e casinos dos mais ricos e sofisticados do Mundo, com shoppings em cada um deles e em todos eles com as marcas mais afamadas e caras do mundo (YSL, Tiffany, Dolce & Gabana, Louis Vuiton, Burberry, Prada, Dior, etc). 

Esses hotéis seriam de 6 estrelas em qualquer parte do mundo (Acreditem que é inacreditável!). Só para investidores e industriais milionários? Não, porque estes chegam de helicópteros ou aviões particulares, ao mesmo tempo que passam diàriamente pela fronteira terrestre com a China cerca de 300.000 pessoas para jogar e passar férias em Macau, com os cerca de 100 hotéis/casinos com uma ocupação diária média de 90% e com as ruas de Macau a serem maioritàriamente ocupadas por ourivesarias/joalharias...e tudo isto 24 horas por dia. É um mundo desconhecido e propositadamente ignorado pelo Ocidente.

Em Los Angeles ou em Monte Carlo a maior parte dos frequentadores/jogadores dos casinos são estrangeiros, em Macau a quase totalidade são chineses, que alimentam estes casinos luxuosos e a riqueza desta região, que é a mais rica de toda a China. 

Ainda ninguém me conseguiu explicar como é possível haver tanta gente rica do outro lado da China e quando olhas para estes jogadores parecem ser da sociedade média/média-alta e vêm muitas vezes com a família (neste caso, especialmente, ao fim de semana).

Há shows diários em todos os casinos, como em Los Angeles (cantores/grupos, shows aquáticos, circos tipo Cirque du Soleil, grandes orquestras clássicas, etc, etc).
É um mundo fascinante, quase irreal!

O governo chinês e os chineses estão a apostar fortemente nas escolas na aprendizagem de inglês e, incrìvelmente ou talvez não (Brasil, Angola, Moçambique) no português, em Macau e na China. O governo chinês fomenta e subsidia o estudo universitário na Europa e nos Estados Unidos. Porque será? Quantos ocidentais andam a aprender o chinês? 

Envio-vos um link para a malta no Ocidente, compreender o que vai ser a China Meridional, dentro de talvez 5 anos, no máximo, num território que a China vai transformar no maior centro de divertimento e turismo mundial, em que já construíu cidades inteligentes, ainda desertas, para serem ocupadas ràpidamente quando o projecto fôr lançado.

Em Hong Kong, o tal sistema "Um País, Dois Sistemas" foi implementado através da Lei Básica de Hong Kong, que serve como uma mini-constituição da região e é consistente com a Declaração Conjunta Sino-Britânica. Leis similares são aplicadas em Macau, gozando estas regiões de um alto nível de autonomia, com Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário independentes, formulando as suas próprias políticas monetárias e financeiras, mantendo as suas próprias moedas e formulando as suas próprias políticas nas áreas de educação, cultura e desporto.

O que, na realidade, se está a passar em Hong Kong é que os manifestantes estão a exigir a independência de Hong Kong, um pouco como na Catalunha, com tratamentos policiais idênticos (relembro as cargas policiais, para além de Barcelona,  na Grécia, no tempo do Tsipras, ou mais recentemente em Marne-La-Vallée, em Paris, contra os estudantes liceais ou, no fim de semana passado (24/08/2019), contra os manifestantes anti conferencia dos G7, em Biarritz. 
Então num sítio do globo as cargas policiais, os gases lacrimogéneos ou os canhões de água são anti-democráticos e contra os direitos humanos, mas na Europa da CEE esses procedimentos policiais são legais "para defesa da democracia"?

Escrevo este longo mail, parecendo um panfleto pró-comunista, mas humildemente só pretendo avisar da realidade do que vai acontecer ao Ocidente, em menos de 20 anos, com a decadência do império comunitário europeu e o estonteante crescimento do império chinês no Ocidente.
É só um AVISO! CUIDADO! 

Os governos ocidentais, incluindo a Austrália, estão a vender os seus países "by the pound", relembrando o célebre álbum do Genesis - "Selling England By The Pound". Depois quem vier a governar após a invasão pacífica e económica chinesa, que feche a luz para não se verem as borradas e corrupções ocidentais em relação às relações comerciais com a China (O Trump, neste  assunto, tem toda a razão!).

Sempre fui anti-comunista, anti-fascista e anti-totalitarismos, talvez por isso estou espantado com esta realidade que tenho encontrado por aqui (China Setentrional, Macau e Hong Kong), e como sabem não vivi só em Portugal até aos dias de hoje (vivi em Paris, Orléans, Southampton, New York, Miami, São Paulo e Curaçao...falta-me talvez viver na Austrália e no Japão) e nunca vi tanta riqueza e um respeito social tão grande. 

Aqui em Macau, de onde escrevo esta crónica, a maior parte de vocês seriam Yé Ye (avô) ou ÁPó (avó) (escrito fonèticamente à portuguesa), que significa idosa.
Ser ÁPó (+65 anos) aqui é um estatuto de respeito e reconhecimento social, pois não pagam remédios com receita médica, só pagam 1 pataca (aproximadamente 10 cêntimos de Euro) para andar de autocarro (enquanto o cidadão comum paga 3 patacas) e quando tu entras na paragem o condutor avisa que está a entrar um ÁPó, para que imediatamente te dêem um lugar sentado. 
Pagas 70 cêntimos (7 cêntimos de Euro) para ires para uma piscina, não pagas em qualquer museu, além de outros benefícios, como receber um subsídio anual (entre 10.000 e 15.000 patacas - 1.000 a 1.500 euros, conforme os lucros que o orçamento do país apresentou), para além da tua reforma normal.
https://www.gov.mo/pt/servicos/ps-1670/
 
O respeito pelos idosos é institucional e educacional, porque estes merecem todo o conforto, após terem trabalhado e contribuído a vida inteira para o desenvolvimento do país. Conceitos!!!

O McDonalds oferece à tarde (por volta das 16H.00) um lanchinho às ÁPós e só entras para um lar de idosos se estiveres incapacitado mentalmente, ou se já não fores autosuficiente nas tuas higienes, ou se tiveres Alzheimer, ou se já não tiveres família próxima (cônjuge/filhos/netos), caso contrário, se só fores velhinho(a), sofreres de doenças normais e tiveres cônjuge, filhos ou netos vivos, estes serão punidos se não tomarem conta de ti ou te tentarem abandonar, por isso é usual vermos três gerações de famílias a almoçar ou jantar, a passear nos jardins ou ir a eventos culturais, etc. (Parece-me que acontece o oposto em Portugal...ou será confusão minha?)

Com estes cenários, pergunto-me a mim próprio e deixo esta questão no ar: Será que é preferível ser Yé Yé ou ÁPó neste novo e criticado comunismo chinês ou ser idoso nessa velha e aclamada democracia ocidental?  
  
Se quiserem acreditar, ACREDITEM! Se não quiserem...That's Life!


* Crónica recebida a 06/09/19, obrigado JOSÉ COUTO, escreve-nos mais vezes.

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