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O necessário debate sobre o SNS
1. Embora sejam manifestamente exageradas,
interesseiras e próprias do atual contexto eleitoral, as acusações de
uma alegada “crise” do Serviço Nacional de Saúde exploram, porém, uma
ampla perceção pública relativa ao agravamento das dificuldades do SNS,
traduzidas por exemplo em congestionamento de urgências, atrasos em
consultas e cirurgias, carências de pessoal, crescente subcontratação ao
setor privado, demora no pagamento a fornecedores, etc.
A verdade é que, apesar do significativo
reforço orçamental e recrutamento de pessoal – muito dele, porém, para
responder à infeliz decisão de regresso às 35 horas de trabalho semanal
-, continua a agravar-se o défice de resposta do SNS à crescente procura
de cuidados de saúde, devida aos fatores conhecidos do envelhecimento
da população e do encarecimento dos meios de diagnóstico e de
tratamento. O financiamento do SNS cresce de novo mais do que a despesa
pública, agravando o seu peso orçamental, apesar da substancial fatia de
cuidados de saúde já cobertos pelos particulares, através da ADSE e de
outro financiamento privado.
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2. Desde há muito as alternativas ao SNS são oriundas da direita
política, em geral assentes sobre a liberdade de escolha da prestação
privada e o copagamento dos cuidados de saúde pelos utentes. A adoção
geral de um modelo tipo ADSE inclui-se entre essas propostas.
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Ora, num texto do relatório sobre O estado da Nação e as políticas
públicas 2019, há dias publicado, da responsabilidade de um instituto de
investigação do ISCTE e coordenado por dois académicos e comentadores
políticos situados à esquerda, propõe-se explicitamente um seguro de
saúde tipo ADSE, porém obrigatório e universal, substituindo, portanto, o
atual SNS de tipo britânico (financiamento por impostos gerais,
prestação pública, gratuidade nos cuidados de saúde) por um sistema de
tipo alemão (financiamento por uma contribuição dedicada, prestação
aberta a privados convencionados, copagamento na aquisição de cuidados
de saúde).
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3. Resta saber se esta quebra do tabu à esquerda sobre a “sacralidade”
do modelo de SNS implantado em 1976-79 vai ficar isolada, ou se vai
abrir um debate, tão necessário quanto urgente, sobre o dilema do SNS:
ou uma reforma ousada quanto ao financiamento e à gestão, ou a
continuação da evolução furtiva (e já avançada) para um serviço de saúde
supletivo para quem não tem outra alternativa para obter cuidados de
saúde (ADSE, seguro de saúde ou recursos próprios).
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Nos 40 anos do SNS deveria ser esta a questão fulcral no debate público
sobre o seu futuro. Sintomaticamente, porém, o debate à esquerda foi
capturado pela magna questão ideológica da admissibilidade, ou não, das
PPP na construção e gestão de hospitais públicos. Seria difícil imaginar
um debate mais desfocado sobre os problemas do SNS!
Professor da Universidade de Coimbra e da Universidade Lusíada Norte
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Professor da Universidade de Coimbra e da Universidade Lusíada Norte
.13/07/19
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