10/07/2019

ANTÓNIO VENTINHAS

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A corrupção e 
os processos arquivados

O procurador do processo Apito Dourado solicitou que lhe fosse disponibilizada uma viatura automóvel, pois necessitava da mesma para a investigação. A resposta foi a atribuição de um passe de acesso aos transportes públicos...

No último fim-de-semana foi noticiado que o Ministério Público só acusa 6 % dos processos em que se investiga a criminalidade económico-financeira.

Qual a razão para uma tão elevada taxa de arquivamento?

As causas são múltiplas.

Em primeiro lugar, o Ministério Público é criterioso nas acusações que deduz.

De acordo com o Código de Processo Penal, somente os casos em que existam elementos de prova seguros deverão levar à formulação de uma acusação.

Para o Ministério Público acusar alguém necessita de alicerçar os factos que alega no depoimento de testemunhas, na existência de documentos ou perícias.

Quantas vezes os magistrados chegam ao final de uma investigação e ficam com a convicção que alguém cometeu um determinado crime, mas não existem elementos concretos que permitam a acusação e subsequente condenação.

Esta triagem é crucial para o bom funcionamento da Justiça, pois somente os casos que possuem viabilidade seguem para as fases processuais seguintes, designadamente para julgamento.

Há muitas denúncias que são completamente infundadas.

O Ministério Público é uma magistratura autónoma que dá aos cidadãos a mesma garantia que os juízes na fase de julgamento, ou seja, os critérios que levam à acusação ou arquivamento são legais e não assentam em factores de oportunidade política.

Por outro lado, é preciso não olvidar que o crime de corrupção é de difícil investigação.

Como regra, neste tipo de investigação a colaboração de testemunhas ou arguidos é muito difícil.

O seguimento do rasto do dinheiro é moroso quando o mesmo passa por uma diversidade de empresas e indivíduos até chegar ao seu beneficiário final.

Procurar o dinheiro implica percorrer um enorme labirinto que passa muitas vezes por territórios estrangeiros e sociedades offshore que se recusam a identificar quem são os seus verdadeiros titulares.

Há uma verdadeira indústria internacional para branquear os produtos dos ilícitos e muitos dos autores dos crimes de corrupção recorrem a estes esquemas para ocultarem os seus proveitos.
Alguns países colaboram com a justiça portuguesa, mas demoram anos a responder às suas solicitações.

Veja-se o caso da investigação ao Universo Espírito Santo. Ontem a Procuradoria-Geral da República emitiu uma nota de imprensa em que refere que a conclusão desse processo aguarda uma resposta das autoridades suíças.

Por último e não menos importante, os constrangimentos de meios de quem investiga.

Há um notório défice de procuradores, inspectores da Polícia Judiciária e peritos.

O número de magistrados do Ministério Público é sensivelmente o mesmo que há 20 anos atrás.

No entanto, face à sua dimensão e complexidade, é manifesto que as investigações na área da criminalidade económico-financeira exigem muitos procuradores.

O número de magistrados que investigam a corrupção aumentou significativamente desde 2014, sendo estes retirados de outras áreas.

Será que o Ministério Público poderá deslocar ainda mais procuradores para combater a corrupção?
A resposta é afirmativa, mas tem de ser bem ponderada.

A instituição poderá deixar de investigar os crimes de violência doméstica, de homicídio, de tráfico de estupefacientes, de incêndio ou de violação para se se centrar só na corrupção? Parece-nos que não.

Por outro lado, a Polícia Judiciária passa por um momento muito difícil que compromete a sua capacidade de resposta, não obstante a boa vontade e abnegação dos seus inspectores.

Quem observar a evolução do quadro da PJ nos últimos 10 ou 15 anos observa uma queda abrupta do número de inspectores, sendo certo que os processos no âmbito da criminalidade económico-financeira são cada vez em maior número e mais complexos.

Acresce que as perícias contabilísticas, financeiras e informáticas demoram vários meses ou anos a ser concluídas.

Para finalizar, importa também salientar alguns constrangimentos de ordem material e burocrática que, por exemplo, passam pelo acesso a uma viatura para realizar uma busca ou uma impressora a cores.

Um dos casos mais emblemáticos ocorreu há alguns anos.

O procurador do processo Apito Dourado solicitou que lhe fosse disponibilizada uma viatura automóvel, pois necessitava da mesma para a investigação.
A resposta foi a atribuição de um passe de acesso aos transportes públicos...

Por forma a ultrapassar os constrangimentos, o procurador teve de utilizar o seu próprio automóvel…

 IN "SÁBADO"
09/07/19

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