19/04/2019

RICARDO PAIS MAMEDE

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A maior conquista da geringonça


Os anos eleitorais não são bons para fazer balanços. Há demasiados atores políticos interessados em influenciar a perceção do mundo. Mesmo quem se esforça por manter uma distância crítica é afetado pelo ruído mediático ou pelas suas próprias convicções. Por estas e outras razões, a prudência recomenda que se aguarde alguns anos até fazer um balanço rigoroso dos fenómenos políticos. Com todas estas cautelas, há um aspeto que pode vir a revelar-se o maior contributo da geringonça para o desenvolvimento do país: a confiança na democracia.

Todos os dias assistimos a histórias de comportamentos menos éticos na vida política, pelo que a ideia pode parecer estranha. Mas os dados são claros: Portugal é desde 2015 um caso exemplar de reforço da confiança dos cidadãos nos atores e nas instituições democráticas. É isto que mostram os resultados do Eurobarómetro, um inquérito de opinião bianual da Comissão Europeia.

No outono de 2015 apenas 15% dos portugueses confiavam no governo e 18% no parlamento. Tal como nos restantes países do sul, estes valores encontravam-se abaixo da média da UE (27% e 28%, respetivamente). Segundo os últimos dados disponíveis, no outono de 2018 a situação tinha mudado de forma clara: os níveis de confiança em Portugal subiram para 37% no caso do governo e para 43% no caso do parlamento. Ao contrário do que era costume, os níveis de confiança naqueles órgãos de soberania em Portugal encontram-se agora acima da média da UE (35% em ambos os casos).

O mesmo não aconteceu noutros países do sul. Por exemplo, segundo os últimos dados, em Espanha a taxa de confiança no governo é de apenas 19% e no parlamento de 15%, um pouco acima do verificado em 2015, mas muito abaixo da média da UE.

No que respeita à perceção dos cidadãos sobre o sistema democrático a situação é semelhante. No outono de 2018, 64% dos portugueses diziam-se satisfeitos com o funcionamento da democracia no país, acima da média da UE (57%) e muita acima dos níveis dos outros países do sul (26% na Grécia, 40% em Espanha e 42% em Itália).

Nos últimos anos Portugal foi visitado por dezenas de jornalistas de vários países europeus que vêm tentar perceber o que alguns apelidam de "milagre português". Na maioria dos casos, quem nos visita não têm em mente os dados que referi. O que os motiva é saber como foi possível compatibilizar o aumento dos salários e dos direitos, o cumprimento das regras orçamentais da UE e a redução do desemprego.

Quando me perguntam, respondo que não há milagre nenhum. Há, em primeiro lugar, um contexto internacional favorável: baixas taxas de juro, preço do petróleo moderado, câmbio do euro face ao dólar competitivo e bom desempenho económico dos países da zona euro (que se reflete, entre outras coisas, no crescimento do turismo). A nível interno, a devolução de rendimentos e, acima de tudo, o fim da ameaça permanente de novos cortes, contribuíram para o crescimento do consumo interno. A capitalização do sistema financeiro nacional, por muito questionável que seja o modo como foi conseguida, afastou do horizonte os piores cenários de instabilidade. Tudo isto somado gerou confiança e permitiu alguma recuperação do investimento.

A solução política inovadora adotada em novembro de 2015 também contribuiu para a recuperação económica por duas outras vias: reduziu os níveis de conflitualidade social e contribuiu para passar a imagem de um país em que as mudanças de ciclo político podem fazer-se sem sobressaltos (o que investidores estrangeiros apreciam).

UMas as conquistas da geringonça vão muito além dos contributos que deu para a retoma económica. As democracias representativas são sistemas frágeis. Baseiam-se na confiança dos eleitores nos representantes que elegem e nos governos que daí resultam. Poucos em Portugal estarão convencidos de que os políticos são todos competentes e impolutos. No entanto, as pessoas estão hoje mais convencidas do que no passado (e bastante mais do que em países comparáveis) de que a democracia funciona, de que o governo existe para promover o bem comum e de que o parlamento cumpre o seu papel de representação da vontade dos cidadãos.

No mundo em que vivemos, o aumento da confiança na democracia não é uma conquista menor da geringonça. Ainda que fosse só por isto, já teria valido a pena.

Economista e professor no ISCTE-IUL

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
16/09719

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