Os anos eleitorais não são bons para fazer balanços. Há demasiados atores políticos interessados em influenciar a perceção do mundo. Mesmo quem se esforça por manter uma distância crítica é afetado pelo ruído mediático ou pelas suas próprias convicções. Por estas e outras razões, a prudência recomenda que se aguarde alguns anos até fazer um balanço rigoroso dos fenómenos políticos. Com todas estas cautelas, há um aspeto que pode vir a revelar-se o maior contributo da geringonça para o desenvolvimento do país: a confiança na democracia.
Todos os dias
assistimos a histórias de comportamentos menos éticos na vida política,
pelo que a ideia pode parecer estranha. Mas os dados são claros:
Portugal é desde 2015 um caso exemplar de reforço da confiança dos
cidadãos nos atores e nas instituições democráticas. É isto que mostram
os resultados do Eurobarómetro, um inquérito de opinião bianual da
Comissão Europeia.
No outono de 2015 apenas 15% dos portugueses
confiavam no governo e 18% no parlamento. Tal como nos restantes países
do sul, estes valores encontravam-se abaixo da média da UE (27% e 28%,
respetivamente). Segundo os últimos dados disponíveis, no outono de 2018
a situação tinha mudado de forma clara: os níveis de confiança em
Portugal subiram para 37% no caso do governo e para 43% no caso do
parlamento. Ao contrário do que era costume, os níveis de confiança
naqueles órgãos de soberania em Portugal encontram-se agora acima da
média da UE (35% em ambos os casos).
O mesmo não aconteceu noutros
países do sul. Por exemplo, segundo os últimos dados, em Espanha a taxa
de confiança no governo é de apenas 19% e no parlamento de 15%, um
pouco acima do verificado em 2015, mas muito abaixo da média da UE.
No
que respeita à perceção dos cidadãos sobre o sistema democrático a
situação é semelhante. No outono de 2018, 64% dos portugueses diziam-se
satisfeitos com o funcionamento da democracia no país, acima da média da
UE (57%) e muita acima dos níveis dos outros países do sul (26% na
Grécia, 40% em Espanha e 42% em Itália).
Nos últimos anos Portugal
foi visitado por dezenas de jornalistas de vários países europeus que
vêm tentar perceber o que alguns apelidam de "milagre português". Na
maioria dos casos, quem nos visita não têm em mente os dados que referi.
O que os motiva é saber como foi possível compatibilizar o aumento dos
salários e dos direitos, o cumprimento das regras orçamentais da UE e a
redução do desemprego.
Quando me perguntam, respondo que não há
milagre nenhum. Há, em primeiro lugar, um contexto internacional
favorável: baixas taxas de juro, preço do petróleo moderado, câmbio do
euro face ao dólar competitivo e bom desempenho económico dos países da
zona euro (que se reflete, entre outras coisas, no crescimento do
turismo). A nível interno, a devolução de rendimentos e, acima de tudo, o
fim da ameaça permanente de novos cortes, contribuíram para o
crescimento do consumo interno. A capitalização do sistema financeiro
nacional, por muito questionável que seja o modo como foi conseguida,
afastou do horizonte os piores cenários de instabilidade. Tudo isto
somado gerou confiança e permitiu alguma recuperação do investimento.
A
solução política inovadora adotada em novembro de 2015 também
contribuiu para a recuperação económica por duas outras vias: reduziu os
níveis de conflitualidade social e contribuiu para passar a imagem de
um país em que as mudanças de ciclo político podem fazer-se sem
sobressaltos (o que investidores estrangeiros apreciam).
UMas as
conquistas da geringonça vão muito além dos contributos que deu para a
retoma económica. As democracias representativas são sistemas frágeis.
Baseiam-se na confiança dos eleitores nos representantes que elegem e
nos governos que daí resultam. Poucos em Portugal estarão convencidos de
que os políticos são todos competentes e impolutos. No entanto, as
pessoas estão hoje mais convencidas do que no passado (e bastante mais
do que em países comparáveis) de que a democracia funciona, de que o
governo existe para promover o bem comum e de que o parlamento cumpre o
seu papel de representação da vontade dos cidadãos.
No mundo em
que vivemos, o aumento da confiança na democracia não é uma conquista
menor da geringonça. Ainda que fosse só por isto, já teria valido a
pena.
Economista e professor no ISCTE-IUL
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
16/09719
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