05/04/2019

ANTÓNIO VENTINHAS

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Legislar a contra-relógio

No final da legislatura, os diplomas de grande importância que poderiam e deveriam ter sido aprovados durante quatro anos acumulam-se para discussão e aprovação.

Em Portugal é comum os assuntos resolverem-se só no último momento.

Desde a realização de obras de grandes eventos, passando pela entrega de declarações fiscais ou pagamentos de facturas diversas, tudo acontece pouco antes de terminar o prazo.

O processo legislativo enferma do mesmo mal.

No final da legislatura, os diplomas de grande importância que poderiam e deveriam ter sido aprovados durante quatro anos acumulam-se para discussão e aprovação.

As consequências são fáceis de explicar.

Algumas das Leis acabam por não ser debatidas ou aperfeiçoadas convenientemente, uma vez que o tempo não o permite.

Os deputados ficam extenuados após participarem em longas maratonas destinadas a consagrar alterações aos textos propostos pelo Governo ou outros partidos.

Nos últimos dias antes da legislatura findar assistimos a votações intensivas no plenário da Assembleia da República.

O espectador comum fica sem saber bem o que está a ser decidido, tal o ritmo imposto.

Um contexto deste género é propício a lapsos, incongruências e a uma técnica legislativa deficiente, o que dá por vezes origem a extensas rectificações dos textos.

Este final de legislatura será verdadeiramente diabólico.

Em Abril, o tempo pascal diminuirá o ritmo dos trabalhos durante uma parte do mês.

Em Maio, as eleições europeias também farão com que a actividade legislativa decresça.

Na área da justiça existem muitos diplomas relevantes por aprovar, como por exemplo, estatutos das magistraturas, alteração à Lei das armas, alteração à Lei de segurança privada, alteração ao Código de Processo Civil , entre outros.

O tempo urge, se alguns dos assuntos não forem resolvidos agora existe o risco de ficarem mais 4 anos sem solução à vista.

Se é certo que toda esta agitação pode resultar do mau planeamento que caracteriza os portugueses, há situações em que este contexto é utilizado para outros fins.

As mudanças de última hora introduzidas em diplomas estruturantes já se vão tornando um hábito.

Na semana passada, as alterações aprovadas no fim da discussão da Lei que visa regular a transparência no exercício de cargos públicos representaram uma verdadeira reviravolta no que se defendeu durante quase 3 anos.

Perdeu-se uma boa oportunidade de se aprofundar o regime de incompatibilidades dos deputados e evitarem-se algumas situações que comprometem o prestígio do Parlamento.

Defendo que os deputados deveriam exercer a sua função em regime de exclusividade, tal como sucede com os magistrados, os membros do Governo ou o Presidente da República.

O exercício de funções de soberania em part time desvaloriza o respectivo órgão.

Se os deputados não estão sujeitos a um regime de exclusividade, o que na minha opinião seria desejável, deveriam ter um regime de incompatibilidades profissionais mais apertado.

A circulação de alguns deputados entre os seus escritórios de profissionais liberais e o Parlamento pode suscitar dúvidas sobre o seu empenho na defesa da causa pública quando esta se encontra em conflito com os interesses dos seus clientes.

IN "SÁBADO"
03/04/19
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