09/03/2019

ROSA PAVANELLI

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Sem serviços públicos 
de qualidade não há 
igualdade de género

A implementação de medidas de austeridade, que na prática têm um impacto direto nos serviços públicos, não só favorece o populismo e as tensões sociais. É também um ataque frontal aos direitos das mulheres

Austeridade. Da esquerda à direita, os governos só têm essa palavra na boca. As eleições europeias aproximam-se e há receios em toda a região de ver uma onda de extrema-direita invadir o Parlamento Europeu, responsabilizando Bruxelas pelas políticas de austeridade e, por consequência, pela recessão e pelo desemprego. Esta situação conduziu a uma explosão na rejeição de estrangeiros e refugiados e a uma exigência, por parte de uma grande parte da população europeia, de políticas xenófobas e autoritárias.

A implementação de medidas de austeridade, que na prática têm um impacto direto nos serviços públicos, não só favorece o populismo e as tensões sociais. É também um ataque frontal aos direitos das mulheres. Porque são elas, as mulheres, que mais dependem dos serviços sociais públicos, já que esses têm a capacidade de transferir a carga de tarefas não remuneradas que recaem desproporcionalmente sobre elas. Limpar, cozinhar e cuidar de familiares dependentes – crianças, idosos e pessoas com deficiência – ainda são “assuntos das mulheres”. Em França, por exemplo, as mulheres tomam conta de 64% dos cuidados não remunerados e do trabalho doméstico.

As mulheres são também as mais afetadas quando os países não conseguem financiar serviços básicos. Na África subsariana, por exemplo, onde mais de dois terços da população não têm acesso à água canalizada, o abastecimento de água e saneamento básico é uma tarefa quase exclusivamente feminina. As meninas não podem ir à escola com os irmãos e as mães têm menos oportunidades de educação, formação e de integração no mercado de trabalho, tornando a independência económica muito difícil. Não é só um problema de países pobres: na UE, 25% das mulheres consideram as responsabilidades familiares como a razão pela qual não conseguem fazer parte do mercado de trabalho, em comparação com apenas 3% dos homens.

Mesmo quando as mulheres conseguem trabalhar, muitas vezes estão presas em empregos de baixa remuneração e baixa qualidade, frequentemente no setor informal. Elas carecem de proteção social e de condições de trabalho dignas, com consequências no rendimento atual e no futuro (menos direitos à reforma, etc.), agravando o já inaceitável fosso salarial de 23% entre homens e mulheres.

A ONU Mulheres mostrou, por exemplo, que a maior parte do aumento do emprego total desde 2008 no Reino Unido está no trabalho por conta própria com baixos salários, com as mulheres a representarem 54% do aumento. Como resultado, na maioria dos países, as mulheres têm menos probabilidades do que os homens de receber uma pensão na velhice: a taxa de pobreza das mulheres idosas europeias é 37% mais elevada do que a dos homens idosos.

O acesso das mulheres à proteção social, a serviços públicos de qualidade e a infraestruturas tornou-se uma prioridade da comunidade internacional. Inclusive é o principal tema da Comissão das Nações Unidas para o Estatuto da Mulher deste ano, que terá lugar em Nova Iorque de 11 a 22 de março. Esta reunião não é apenas um encontro burocrático qualquer: as suas conclusões irão definir as políticas para a igualdade de género dos próximos anos.

Cerca de 200 mulheres e homens do mundo inteiro farão parte de uma delegação sindical global e participarão ativamente nos debates. Tal delegação aponta muitos elementos positivos no relatório elaborado, antes da reunião, pelo secretário-geral da ONU, especialmente pela ênfase que coloca numa abordagem universal e baseada nos direitos humanos. No entanto, nós da Internacional de Serviços Públicos, uma federação sindical internacional dedicada à promoção de serviços públicos de qualidade – e que faz parte desta delegação sindical global –, apelamos conjuntamente aos governos para que traduzam estes princípios em estratégias e políticas concretas para eliminar as desigualdades de género.

É urgente reformar o sistema fiscal internacional global para pôr fim a todos os mecanismos de evasão e elisão fiscal. Quando as empresas não pagam os seus devidos impostos, há menos dinheiro para investir em serviços públicos, infraestrutura sustentável e proteção social. Estima-se que as receitas fiscais anuais perdidas pelos países em desenvolvimento devido apenas às manipulações das multinacionais se situem entre 98 e 106 mil milhões de dólares, quase 20 mil milhões a mais do que o que seria necessário para atingir uma cobertura universal de água e saneamento.

Queremos também destacar o papel essencial e primário dos Estados como fiadores dos direitos humanos de todas as mulheres e meninas. Sempre que as empresas privadas quiseram adquirir serviços e infraestruturas públicas básicas, tais como água e saneamento, ou instalações de saúde e educação, isso resultou na deterioração da qualidade das prestações de serviços, especialmente para os mais vulneráveis. Uma abordagem baseada nos direitos humanos não pode ser garantida num sistema “com fins lucrativos”.

Nestes tempos conturbados em que a xenofobia é explorada por muitos líderes políticos sem escrúpulos, apelamos também aos representantes para que se empenhem em políticas dirigidas a todas as mulheres, incluindo mulheres migrantes, refugiadas e requerentes de asilo. É especialmente preocupante que alguns países europeus estejam a tentar limitar o acesso dos refugiados e migrantes a serviços públicos e benefícios sociais.

Sem políticas voluntárias como estas, será impossível para a maioria dos países cumprir o seu compromisso com a igualdade de género através da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. As mulheres continuarão a ter dificuldades em permanecer no mercado de trabalho e em garantir os direitos à proteção social através do emprego. Elas também não encontrarão tempo para o descanso, o lazer ou para a participação política. Batalhar por serviços públicos universais de qualidade é uma questão feminista.

Secretária-geral da Internacional de Serviços Públicos.

IN "i"
07/03/19

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