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IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
26/03/19
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Invisibilidades
Os media em Portugal parecem afunilar-se e só ter olhos e ouvidos para dois grupos que se complementam e fundem. O dos académicos e o dos políticos.
Quando H. G. Wells escreveu o seu famoso livro O Homem Invisível não
pensou, seguramente, em Portugal. No entanto decorridos que são mais de
100 anos da publicação desse famoso romance a invisibilidade
materializou-se no nosso país fazendo desaparecer dos nossos olhos boa
parte da população portuguesa.
Na verdade há vastas camadas de portugueses que se tornaram
invisíveis aos olhos de certa comunicação social nomeadamente das
televisões. Não falam e não são falados, os seus interesses ignorados e
não estão representados proporcionalmente nos órgãos de poder local ou
nacional.
Alguns grupos profissionais e étnicos sobressaem
neste apagão. Por um lado os operários que deixaram de ser vistos,
ouvidos, ou simplesmente mencionados. A palavra está proscrita como se
fosse o ferrete de um vergonhoso crime. E no entanto boa parte da
população portuguesa continua a manter esta profissão e a pertencer a
esta classe que em Portugal surge como uma espécie de intocáveis da
Índia. Os dois milhões de pobres, quase sempre no limiar da pobreza
quase nunca na pobreza em que vivem, também não têm voz. Outros falam
por eles. Sem procuração.
Por outro lado as minorias étnicas nomeadamente os negros e os ciganos parece que perderam a língua.
Trata-se de um apagão que fere a vista.
Um
exemplo. No passado dia 21 de março, instituído pelas Nações Unidas
como dia internacional pela eliminação da discriminação racial, várias
organizações e coletivos organizaram uma concorrida concentração no
Largo de São Domingos em Lisboa. No entanto nada transpirou na
generalidade da comunicação social. Nada passou nas televisões. Parece
ter sido uma concentração de homens e mulheres invisíveis, transparentes
e etéreos impossíveis de fixar pelas lentes das câmaras de filmar e
pelos óculos de muitos jornalistas. Uma concentração de fantasmas.
Os
media em Portugal parecem afunilar-se e só ter olhos e ouvidos para
dois grupos que se complementam e fundem. O dos académicos e o dos
políticos. Ser académico-político, como Marcelo Rebelo de Sousa,
Assunção Cristas, Cavaco Silva, Augusto Santos Silva, Francisco Louçã e
tantos outros, é garantia firme de ter todo o tempo no mundo para
apresentar as suas ideias, as opiniões dos outros são geralmente
afastadas e ignoradas.
Mais de metade dos membros do atual
Governo são ou foram docentes universitários ou investigadores. A
tradição do professor universitário-político, inaugurada por Salazar
mantém-se arreigada no nosso país.
Este afunilamento
empobrece a nossa democracia, afasta as pessoas da participação cívica,
promove o desânimo e a indiferença. Em última análise reduz o capital
social entre os portugueses e, por essa via, diminui as possibilidades
de desenvolvimento económico e social do país.
É tempo de
abrir o espaço público a todos os portugueses independentemente da
classe social ou da sua etnia. O país sairá, certamente, reforçado e a
democracia mais sólida.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
26/03/19
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