07/03/2019

HELENA MATOS

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Uma súbita náusea

Uma professora foi agredida mas dessa violência não se fala. Carlos César diz que “a igreja tem de pôr a mão na consciência” sobre os abusos de menores e o país cala... São os dias da súbita náusea.

NáuseaCarlos César diz que “a igreja tem de pôr a mão na consciência” sobre os abusos de menores. Carlos César diz que “a igreja portuguesa se tem mantido em silêncio no que toca a abusos sexuais e pedofilia”, mas é hora de “meter a mão na consciência”. Aliás, o Presidente do Partido Socialista diz mesmo que “em Portugal parece que não se passou nada”. Por uma questão de higiene não vou comentar o conteúdo destas palavras de Carlos César. Por uma questão de memória futura deixo um aviso: um país em que uma personagem como Carlos César tem um ascendente crescente é um país cujo regime se torna mais opaco. E também mais desabridamente boçal. Já foi assim na crise gerada pelo Estatuto dos Açores em 2008 e os anos apenas acrescentaram essa atitude de sobranceira impunidade que caracteriza Carlos César: a forma como actuou na não recondução de Joana Marques Vidal em 2018 e agora esta declaração sobre o silêncio da Igreja portuguesa “no que toca a abusos sexuais e pedofilia” mostram como Carlos César sabe que cada vez menos pessoas têm coragem para perguntar: quando chega a hora de o PS “meter a mão na consciência”?

Combates selectivos. “Uma professora da Escola Básica da Torrinha, no Porto, foi agredida ‘a soco e pontapé’ à porta do estabelecimento por uma encarregada de educação, revelou esta quinta-feira à Agência Lusa fonte da PSP. De acordo com a mesma fonte, o incidente ocorreu quarta-feira e a PSP foi chamada ao local cerca das 10h50, tendo a vítima apresentado queixa junto daquela força policial. A professora, de 45 anos, também se dirigiu ao hospital de Santo António, no Porto, para receber assistência médica.”
Se usarmos para esta agressão a grelha actualmente em voga para a violência dita doméstica temos de perguntar também se a agressora já foi interrogada e sujeita a alguma medida cautelar. E claro indagar a que resultados chegaram, por exemplo, os 87 inquéritos de agressões contra professores que o Ministério Público de Lisboa abriu em 2017. Houve condenações? E se houve estas resumiram-se às penas suspensas e multas do costume ou foram aplicadas medidas de prisão? E os juízes o que escreveram nos acordãos? Citaram a Bíblia, Piaget ou Freinet? Há juízes reincidentes na absolvição dos agressores de professores? Como se chamam esses juízes?… Vamos usar esta táctica de pressão e fulanização dos juízes nos casos das agressões aos professores ou este tipo de argumentário só é válido quando está em causa o tema em agenda?

Há algo de esquizofrénico na presente parcelização da violência: a única violência de que se fala é a doméstica. Vamos ter mesmo na próxima semana um dia de luto nacional pelas vítimas de violência doméstica. As outras vítimas de violência não merecem atenção? A violência entre os jovens é uma espécie de elefante no meio da sala e assim vai continuar até que um facto mais grave obrigue a que se deixe de fazer de conta que não está a acontecer nada. A violência exercida sobre as figuras de autoridade, de que os professores são o exemplo mais evidente mas que também atinge funcionários das escolas, pessoal de saúde e polícias, é subestimada quer nos números, quer nas consequências.

Mas paremos para pensar um pouco: o que será um professor ter de voltar a enfrentar a turma em que um dos alunos o esmurrou? Ou em que um pai lhe deu uma cabeçada que o fez desmaiar? Ou em que uma mãe o pontapeou? Qual o impacto dessas agressões no comportamento e nas vidas dos alunos que assistiram a esses momentos umas vezes aterrorizados, outras na galhofa, outras desviando o olhar?

E quando se enfrentará finalmente a violência sofrida pelos habitantes da zonas rurais, vítimas de inenarráveis assaltos às suas casas e aos seus bens?  Quantas declarações de responsáveis políticos ouvimos sobre  a vaga de assaltos que em 2018 se registou nas zonas de de Leiria, Marinha Grande, Pombal, Figueira da Foz e Coimbra “29 idosos amarrados, torturados e violentamente agredidos. As pessoas nem tinham tempo de reagir. Eram acordadas bruscamente e começavam a bater-lhes. Havia quem dissesse logo onde estava o dinheiro implorando que as deixassem, mas eles não queriam saber e continuavam (…) Em julho o pesadelo calhou a um casal do Pombal e a mulher, de 85 anos, foi de tal forma espancada que não resistiu e morreu. Noutro caso, em junho, os assaltantes agrediram e torturaram uma das vítimas, durante mais de uma hora e meia“.  Recordo aliás que estes assaltos acabaram a ter alguma notoriedade porque os seus autores fugiram por uma janela do tribunal. E será que desta vez os assaltantes-agressores vão ser condenados a uma simpática pena suspensa por roubos agravados como já acontecera a um deles no passado?

Que sentido faz fixarmo-nos num tipo de violência e fechar os olhos à restante?

Demagogia. As mulheres têm de se afirmar. Têm de perder o medo. Têm de ter voz própria…. Tudo isto claro se for para dizerem o que se espera. O que está previsto. E apenas isso. A reacção ao artigo de Joana Bento Rodrigues  é um bom exemplo do que se pode definir como liberdade guionada: quando não se respeita o guião gera-se o escândalo. Agora como no passado é essencial o respeitinho das mulheres pelo guião que deve reger as suas vidas e opiniões.

PS. Não se pode fazer uma petição pelo fim dos desfiles de Carnaval das escolas? Que mal terão feito as crianças de hoje para terem de andar a correr as ruas das suas localidades vestidas de lixo poluente, alga feliz, alimento saudável… ou outro item igualmente cheio de mensagem? Quando dentro de alguns anos se fizer o retrato do nosso tempo este intrusismo didáctico dos adultos nas brincadeiras infantis vai estar lá como um dos traços mais perturbantes.

IN "OBSERVADOR"
03/03/19

# Se desejar ler o artigo de JOANA BENTO RODRIGUES basta clicar no nome.

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