26/02/2019

PEDRO IVO CARVALHO

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A cabeça caída do Papa

Para quem ainda lambe feridas que não saram com o tempo, as palavras proferidas ontem pelo Papa Francisco, no encerramento da cimeira mundial sobre abusos sexuais na Igreja Católica, foram meros paliativos espirituais.

As vítimas queriam sangue para derramar sobre as memórias. Mas ficaram de coração mirrado. Compreende-se que não se contentem com retóricas recicladas. Mas a Igreja, que se ajoelhou em penitência perante o Mundo, já tinha avisado ao que (não) vinha. Expiar a culpa é uma coisa, encetar uma revolução interna ao fim de quatro dias de reflexão é outra. É, por isso, igualmente compreensível que os mais distintos eclesiásticos tenham refreado as expectativas de crentes e não crentes ainda antes de o aggiornamento despontar. De resto, basta lermos os princípios orientadores difundidos pelo Papa para concluirmos que podiam ter sido arquitetados antes do encontro. Mas ninguém com um conhecimento rudimentar do que tem sido o comportamento da Igreja na gestão mediática destes crimes repugnantes sobre os mais frágeis pode revelar-se surpreendido perante tamanha vacuidade.

Não devemos, porém, reduzir a uma simples coreografia calculista o enorme avanço que representa para o Vaticano esta convocatória global. A cabeça caída do Papa Francisco, há dias, quando escutava o testemunho das vítimas, é uma poderosa evidência da dimensão da "cratera do vulcão", como o definiu Ratzinger. Porque traduz não apenas a crise de identidade e credibilidade que grassa na instituição, como simboliza de certa forma o fim do ideário que a alcandorou a referência moral do Mundo.

A Igreja já chorou. A Igreja já mostrou arrependimento. Agora, tem de empreender reformas profundas. Entre outros gestos de boa fé, promovendo o fim do celibato e abrindo o sacerdócio às mulheres. Exorcizar de peito aberto os dias sombrios do passado é um caminho palpável na direção da luz. Mas para que a cabeça de Francisco possa levantar-se de novo é urgente que em cada paróquia por esse mundo fora se comece a projetar o futuro com olhos menos turvos. A revolução nos corações preconizada pelo Papa tem de começar nas mentalidades.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
25/02/19

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